terça-feira, 15 de maio de 2007

Eu sou o meu inimigo.

Eu sou o meu inimigo.Branco, alto, loiro, barriga próspera, bem educado, ensino superior,poliglota, quando nao era estudante e ainda tinha grana dos meus paistambem comprava roupa cara e bebia whiskey à 15 reais o copo.Nao importa que eu gastasse a maior parte da grana em disco e livros,eu era um burgues, sem duvida, e sou.Sou meu inimigo.E nao posso me esconder por que alem disso sou homem, heterossexual ebonito. Nao faco parte de nenhuma minoria. Todas as partes do meucorpo estao no lugar e funcionam, nenhuma doenca venerea, nenhumproblema congenito, nenhuma marca de espinha, sarampo, rubeola,catapora, caxumba. Nao tive paralisia infantil, nao fui subnutrido.Nao fui espancado, molestado ou violentado.Nao tive pai alcoolatra, nem mae puta.Nao comi pao com bosta, mas, verdade seja dita, comi caviar com gosto.Com 5 anos eu já sabia ler e escrever e nao minto que sempre me gabeida extravagancia que é ser inteligente.Eu sou meu inimigo.Nao posso me esconder atras de nenhuma minoria, nenhuma serve e acarapuca se nao é larga é apertada.Se vejo um pobre preto atravessando a rua na minha direcao as 10 danoite na praca da Sé, claro, mudo de lado, escondo a carteira, ficocom medo... e por que nao dizer, com culpa.Eu nao sou ele, nunca fui, nunca roubei ninguem, nunca matei ninguem,nunca briguei por comida, nunca passei 24 horas sem enfiar nada noestomago, nunca passei uma semana sem tomar banho, nunca fiquei um anosem cortar o cabelo, nunca fiquei um mes se contar as unhas.Sempre tive dinheiro pra comprar perfume.Eu sou o meu inimigo, e deveria ser o inimigo publico numero um.Nao porque eu jah tenha roubado chocolate suico no supermercado, masporque eu sou eu, e nao posso fazer nada contra isso... e nem quero.Nao digo que se eu fosse uma negra lesbica ana e cega nascida nointerior do maranhao e emigrada em pau de arara nos anos 40 as coisasseriam mais faceis, nao seriam, mas eu poderia esconder todos os meusproblemas (e nao sem razao) atras das 300 minorias das quais fizesseparte.E ai talvez eu fosse alguem mais interessante para o mundo.E nao o meu inimigo.Eu nao sei dancar Samba, nao sei cantar RAP, nao sei tocar cavaquinho.Nao gosto de pagode, nem de funk e nem de grandes demonstracoes decultura popular, mas nao escondo que acho Racionais um puta som – maseles nao falam pra mim, alias, muito pelo contrario, eles falam contramim.Eu sou o inimigo dos Racionais, e de todos os fas dos Racionais.Nao torco para o Corinthians, nem para o Flamengo e até diria quetorco para o Sao Paulo, time de burgues, mas na verdade nao acompanhonem Copa Libertadores, quando muito final de mundial e ainda assim sementender muita coisa, pra ser sincero, nao gosto de futebol.Nao gosto de futebol e nao sei chutar uma bola sem me machucar,machucar alguem ou ser expulso de campo por falta de habilidade.Entao eu paro e penso: o que eu posso fazer pelo meu mundo hoje?Tomando uma Coca-Cola, de frente para o meu lap-top de ultima geracaochego à brilhante conclusao que o melhor que fiz na vida foi estudarliteratura. Que belo modo de mudar as coisas.De repente a verdade é que eu nao quero mudar o mundo e nao quero queas coisas mudem por que minha posicao é muito confortavel, muitogostosa.Por essa razao, eu sou meu inimigo.Aí eu posso dizer que é errado discriminar alguem por ser mulher,preto, pobre, crente, puta, anao, lesbica, viado, judeu ou qualquerminoria, e claro, sair até bonito no fim da história.Mas vou contiuar rico, branco e poliglota.Vou continuar sendo meu inimigo.

Um comentário:

  1. Eu também sou seu inimigo. E meu.
    Estou longe de te dar conselho, passo pelo mesmo complexo - mesmo sem ter comido caviar e tendo começado a trabalhar aos 14. Isso poderia me servir de desculpa, mas tenho o defeito de não ser hipócrita e não esconder que sou da classe média, e isso significa ser pequeno burguês. Mas, olha, acho que o complexo de culpa já é um primeiro passo. Ele é bom se nos servir para dar o segundo, que é tomar essa postura que você diz que só o burguês pode tomar: a de procurar superar a sociedade que o favorece. Agora, cuidado: se a gente não dá o segundo passo, aí o complexo de culpa vira mero exibicionismo, e acaba servindo exatamente para a mesma coisa que serviriam nossas idéias "progressistas": pra sair bem na foto. Só que de um jeitinho mais sofisticado.

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