quarta-feira, 17 de abril de 2013

22 Canções lindas de morrer

Uma postagem pra afastar quizila, chutar olho gordo, tirar zica. Cantar o amor fracassado. Berrar até que os gritos se tornem preces.
Expelir. Botar pra fora. Gozar.
Uma playlist para quem abriu mão de tentar compreender o amor, para deixar ele, enfim, tornar-se (em) canto. Divino ou demoníaco, pouco importa. Um homem com uma dor, é muito mais elegante.
Dedico então a esse grande vazio que é o amor. Porque ele dói.
1) DETALHES (Roberto Carlos \ Erasmo Carlos). Começar com uma canção do Roberto Carlos uma playlist de canções lindas é clichê? Claro, ainda mais com Detalhes. Detalhes está para as canções de amor assim como Drummond está para poesia, a bandeira nacional para o Brasil, Pelé para o futebol. Bem mais do que clichê, Detalhes representa o que entendemos por “lindo de morrer”. Seu símbolo mais bem acabado. Gostou?
2) ONDE A DOR NÃO TEM RAZÃO (Paulinho da Viola \ Elton Medeiros). Sabe aquele nível de sabedoria (guru \ pai de santo \ mestre de Kung Fu  \ Gandhi) que você luta a vida inteira para alcançar, sabendo de antemão do seu fracasso? Pois é: Paulinho da Viola e Elton Medeiros, senhoras e senhores.
3) ÚLTIMO DESEJO (Noel Rosa) Intérprete: Aracy de Almeida. Uma das mais belas composições do poeta da Vila, em uma das poucas gravações que conserva o pulso original do samba. Com isso, mantem-se a ironia final da letra na própria forma. Grande Aracy, que entendeu tudo. Malandro que é malandro apanha sem perder o rebolado, e dá sempre um jeito de ficar por cima da carne seca.
4) ORAÇÃO AO TEMPO (Caetano Veloso). Ok, todo mundo sabe que o místico da turma é o Gil, mas como o Caetano não gosta de deixar por menos, resolver caprichar nessa prece abstrata\concreta para o próprio tempo. Aqui o artista encontra-se com sua matéria prima, o tempo, ao lidar com sua essência, o ritmo.
5) COISA MAIS LINDA (Vinicius de Morais \ Carlos Lyra) Intérprete: João Gilberto. Algumas canções são como jóias. Tudo aqui é perfeito, na exata medida, conduzido pelo mais perfeccionista dos nossos intérpretes e tendo a sua inteira disposição, o maestro soberano Tom Jobim, que procura dar forma ao projeto utópico de João - suspendendo todas as misérias do mundo. Melodia, letra, harmonia, a moça, tudo aqui é um só, mais bonito que o próprio amor.
6) SAN VICENTE (Milton Nascimento \ Fernando Brant). As vezes, fico com a impressão que os anjos existem, e que são melodias.
7) FALA (João Ricardo \ Luli) Intérprete: Ney Matogrosso. Se Milton é um anjo, Ney Matogrosso é… Diadorin. Essa canção quer ser silêncio, que ceder a voz para o Outro, num gesto de amor altruísta. Mas seguindo a ironia da época (talvez o que havia de mais saudável), o gesto é marcado pelo fracasso: a voz do Ney (encontro perfeito do masculino no feminino) é a marca do silêncio do outro, ficando mais pronunciado a cada interpelação. sendo preenchido por pianos, sintetizadores, cordas. Fala nenhuma.
8) MANIA DE VOCê  (Rita Lee \ Roberto de Carvalho). Pelos da nuca eriçados. Sussurro feminino ao pé do ouvido. Irresistivelmente sexy, Marvin Gaye com certeza aprovaria e provaria dessa delícia. Wando também. Titia Rita absolutamente deliciosa, mostrando pra molecada qual é o verdadeiro sentido da palavra tesão. 
9) O MEU AMOR (Chico Buarque). Como é que Chico faz para acertar tanto a mão ao compor personagens femininos? O segredo é simples: nunca abandonando a perspectiva masculina. Nunca. No caso dessa canção, tudo o que gostaríamos de fazer uma mulher sentir (e provavelmente faríamos, se não sentíssemos tanto medo). “Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma\ Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo \ Porque os corpos se entendem, mas as almas não”.
As almas são incomunicáveis.
10) ISSO NÃO VAI FICAR ASSIM (Itamar Assumpção). O amor contemporâneo, em São Paulo. Existe amor em SP? Sim, mas como promessa de vingança, como o fim de tudo, ou o início. Faz algum sentido? Sei-lá. Beije-me!
11) APENAS MAIS UMA DE AMOR (Lulu Santos). Lulu é o maior criador de hits dos anos 80 – nos 90 o cetro passou para as mãos de Nando Reis. Maior que Paralamas, Titãs, Renato Russo e Cazuza (não sei do Roupa Nova). Nessa época tudo o que ele tocava virava ouro, no sentido comercial da coisa. Aqui, ele vai além da fórmula de sucesso mergulhando nela de cabeça – afinal, o amor platônico adolescente tem mesmo a forma do clichê romântico pop. Uma das mais belas baladas românticas dos anos 80, tão linda quanto aquelas do Peninha – que poderia estar na lista.
12) PAIXÃO E FÉ (Tavinho Moura \ Fernando Brant). Intérprete: Milton Nascimento. Um dos mais sublimes (esse é o termo exato) arranjos da MPB, feito para sentirmos todo o peso da espiritualidade mineira em seu esplendor. Definitivamente, Milton é um anjo. Um anjo barroco, triste e mineiro.
13) O BEM DO MAR (Dorival Caymmi). Porque não há nada mais moderno que o encontro com as profundezas. O bem da terra suporta a dor, a esperança frágil do regresso. Dor, loucura, ausência. O pescador ama mesmo é o mar, e o mar é a morte. Na mitologia de Dorival Caymmi, as canções viram outra coisa, para além delas mesmas. O sagrado.
14) PRIMAVERA (Cassiano) Intérprete: Tim Maia. Saímos do campo do sublime para reencontrarmos o desejo em sua dimensão mais pura. Nada acontece nessa canção, nada para além do desejo.Tudo aqui, desde já, é. Puro querer. Conjunção plena de todos os elementos, do sujeito com seu amor que é a rosa, o céu, as vozes do coral, a própria primavera. 
15) NÃO APRENDI DIZER ADEUS (Joel Marques). Intérprete: Leandro e Leonardo. Porque nada é capaz de representar o fim do amor. O fim de um grande amor é a própria interrupção da possibilidade de compreender. Compreensão com o corpo, porque amor se vive. Só o silêncio pode então falar por mim, porque o silêncio é já um outro. Eu só posso\tenho que aceitar, condenado que estou ao mistério. Deixar de amar é um ato de fé.
16) TIVE SIM (Cartola). Escolher um samba lindo do Cartola é como escolher uma música do Sonic Youth que tenha distorção. O velhinho é, antes de tudo, um sábio, o próprio preto velho. Fiquemos então com a resposta que nunca gostaríamos de ouvir – fica a dica então para não perguntar. Uma baita lição de moral. O amor: essa eterna ausência do grande Amor. Independentemente de quem seja o objeto temporário de nossos afetos, este será sempre o lugar da falta.
17) NOVENA (Geraldo Azevedo). De volta a uma dimensão mais etérea, com tom de crítica, como é comum ao pessoal do Udigrudi. O clima que Geraldo Azevedo consegue tirar da relação entre violão e melodia, criando uma camada sonora densa e cheia de reverberações, impressiona. Com o Bicho de sete cabeças ele repete o feito, conciliando virtuosismo com climatizações densas. Violeiro bom é isso aí.
18) CANTEIROS (Fagner \ Cecília Meireles). Da mesma leva de compositores que Geraldo Azevedo, Fagner consegue extrair o sentido mais cortante dos versos de Cecília Meireles (diga-se de passagem, toda poética do Fagner consiste em buscar o mais ‘cortante’ nas canções). Nem aquilo a que me entrego já me dá contentamento, pois o eu cindiu-se sem sua contraparte, objeto de seu amor. Sendo assim, o fim do amor é como viver uma vida que é alheia, ainda que a única possível. Nenhum desejo pode ser satisfeito. pois quem deseja já não sou eu. A dor é tanta que ao final da canção a melodia se interrompe e torna-se em discurso ruinado continuamente até virar mero balbucio. Desde o início Fagner mostra competência para falar do amor e de seu conteúdo privilegiado, a falta.  
19) EVIDÊNCIAS (José Augusto \ Paulo César Valle). De volta ao sertanejo e ao jogo do desejo. O amante que não se resolve – o medo é um grande tema tanto do Sertanejo quanto do Pagode – remoendo-se em dúvida eterna que caminha por pares de oposição. O jogo de ocultamento do desejo do outro, a alteridade inapreensível, é a própria matéria da canção, que termina com uma súplica que mal consegue esconder o pavor: me diga qualquer coisa, pelo amor de deus, que ofereça uma mínima garantia de clareza, por mais mentirosa que seja.  A fragilidade do amante impressiona, sobretudo porque o clima de indecisão permanece inclusive no momento clássico de resolução da tensão: a canção apresenta dois refrões. Toda canção gira em torno da opacidade do outro, do pavor gerado por essa opacidade do desejo.
20) A FLOR E O ESPINHO (Nelson Cavaquinho \ Guilherme de Britto). Intérprete: Eliseth Cardoso. O sambista mais duro que já existiu, maravilhosamente interpretado pela musa Eliseth Cardoso. Talvez os mais emblemáticos versos sobre o fim do amor: “Tire seu sorriso do caminho \ que eu quero passar com a minha dor.” Quase um rap. Só Nelson Cavaquinho e Lupcínio Rodrigues atingiram esse grau de contundência, trazendo para o samba o lado mais sombrio que muitas vezes não queremos ver. Morte, Vingança, Ódio, conteúdos privilegiados do amor.
21) NO RANCHO FUNDO (ARY BARROSO \ LAMARTINE BABO). Intérprete: Chitãozinho e Xororó.  Pra terminar, um pouco de saudade, essa forma de possuir a própria ausência. Composta por dois monstros da música brasileira, e adaptada brilhantemente à sensibilidade moderna por Chitãozinho e Xororó.
O amor é a gente mesmo, demais.
O instante. Demais.
Infinito
22) PINTURA SEM ARTE (Candeia). Sabe qual a melhor parte do fim de um grande amor -  essa forma de deixar de ser? É quando ele vira um samba, em tom maior. Salve mestre Candeia.