segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ainda é cedo, de Nelson Gonçalves, e a atualidade do bolero.

Para José Virgínio, talvez o último romântico verdadeiro.

Em seu último álbum, Ainda é Cedo, lançado em 1997 pela BMG Ariola, Nelson Gonçalves aproxima-se da música jovem, o pop rock padrão anos 80\90 que foi a febre daquele período. Aproxima-se, contudo, sem abrir mão de sua identidade clássica, inclusive no fato de que essas canções já são peças de museu a seu modo, tocando principalmente em festas e programas de rádio estilo revival. Não é o pop rock que faz a cabeça dos jovens de hoje: é a geração que anda beirando os trinta que considera essas canções como música de jovem, no que vai um acerto do Nelson, pois é esse o público alvo que ele deve ter em mente, que já não é assim tão jovem, e que portanto pode aceitar mais facilmente seu padrão de canto operístico pré anos 60.
Em todo caso, a mistura funciona bem, em alguns casos até melhor que o original, o que nos permite tirar uma série de conclusões - e fantasiar umas outras tantas. Por exemplo, que o defunto nunca esteve assim, tão morto quanto se diz, e que o mal cheiro dele vinha de outro lugar, lá das bandas do inconsciente freudiano. Unheimlich. O padrão bolero operístico que dominou a cena entre os anos 40 e meados dos anos 50 nunca chegou a ser devidamente enterrado, mas mudou de forma e continuou na ativa. O seu principal descaracterizador não foi João Gilberto – esse criou uma outra coisa realmente, um novo padrão – mas Roberto Carlos, que forjou um novo tipo de canção romântica, de padrão melódico mas entoativo e pulsional (ou temático, para sermos técnicos). Um romantismo mais pé no chão, digamos assim, pós João Gilberto. Foi essa basicamente a principal transformação que Roberto Carlos trouxe para a canção brasileira, via rock, o que significa também que uma das principais características do rock entre nós é ser uma atualização do bolero, ou seja, propor um modelo de canção romântica moderna. Por isso, quando o rei deixa de fazer ieieie, depois de passar um tempo perdido na black music (sua melhor fase), para se tornar o modelo hegemônico de música romantica, não se trata de uma ruptura completa (encareteamento carlista) mas, sobretudo, de uma continuidade. E é por isso que um dos aspectos principais do Brock nos anos 80 é também propor um padrão de música passional, atualizando o rei e tirando a primazia da MPB. Legião Urbana é, antes de tudo, um grupo de música romântica, por isso, inclusive, o seu sucesso. O mesmo pro Lulu Santos< Kid Abelha e outros.
Ou seja, por mais que se escreva a história como uma série de rupturas, o que em geral acontece é melhor compreendido como um conjunto de migrações e negociações contínuas que deslocam os objetos para outros lugares. Bora lá observar esses deslocamentos então. E, de quebra, fazer uma listinha classificatória, que é a parte divertida da coisa.
O POST ABAIXO É PARA SER LIDO AO SOM DA NARRAÇÃO DO MILTON LEITE. QUE BELEZA!
1) COMO UMA ONDA NO MAR (NELSON GONÇALVES X LULU SANTOS X TIM MAIA)
A gravação do Nelson nos revela aquilo que a canção sempre almejou ser: um bolerão. Pontos pra ele. Nelson não altera significamente o padrão de interpretação, no que vai outro acerto, uma vez que “Como uma onda” foi criada por Lulu Santos como hit imediato. Mas ela acerta em um ponto que Lulu deixa escapar, na medida em que aceita integralmente seu padrão romântico. Enfim, na versão do Nelson a beleza é ressaltada. Contudo, a canção se torna um lamento, enquanto que no Lulu está em jogo a aceitação do caráter transitório da existência. A canção é mais solar do que pede a interpretação do Nelson, e aí é ponto pro Lulu. Mas não é por isso que ela deixa de conter essa passionalidade proposta pelo bolerão. No limite, trata-se da diferença entre um jovenzinho encarando as mudanças da vida, para quem cada mudança representa a abertura de novas alternativas, e um velho senhor, para quem cada mudança comporta um sinal negativo, o rumo inevitável para a morte.  A versão do Tim Maia fica num meio termo que me incomoda, carregando em clichês no arranjo, como a bateria eletrônica e o string. Pois é, Tim Maia é pior do que Lulu Santos nesse caso.  A principal vantagem da versão do Nelson é o arranjo, livre das convenções carregadas dos anos 80, substituídos por uma bem vinda ênfase no violão. Contudo, apesar da versão do Nelson ser mas bela, existe uma dimensão importante que se advinha na do Lulu. Daí o empate técnico. Segue o jogo. 

NELSON 1 X LULU 1 X TIM MAIA 0
2) FAZ PARTE DO MEU SHOW (NELSON GONÇALVES X CAZUZA)
Aqui o Nelson apanha. Principalmente porque o Cazuza acerta muito na composição melódica dessa canção, e cria uma Bossa Nova debochada (meio Bossa Nova e Rock’n Roll). O padrão de interpretação é mais pra João Gilberto, portanto, o que exige certo despojamento que escapa ao Nelson, o que implica no padrão melódico ser mais propriamente enunciativo (falado) do que cantado, a não ser no refrão. A genialidade do Cazuza nessa canção está em ter acrescentado uma ironia perversa à letra, uma canalhice deslavada, compondo uma anti canção de amor com cara de música romântica. Nelson tenta transformar em canção romântica propriamente dita, e perde a mão. Ponto pro Cazuza. 
NELSON 0 X CAZUZA 3
3) DE MAIS NINGUÉM (NELSON GONÇALVES X MARISA MONTE E ARNALDO ANTUNES)
Marisa Monte, junto com Arnaldo Antunes, se arriscam a fazer um choro canção. E não fazem feio, principalmente pelo arranjo com um regional que casa muito bem. Só que aqui, parceiro, é o Nelson Gonçalves jogando em casa com o apoio da torcida. O arranjo é basicamente o mesmo (escolha acertada de repertório, com uns toques mais abolerados, como o restante do disco), só que com as cores carregadas do samba canção. Ou seja, saem os miados da Marisa para entrar o peso das cordas. Aqui não tem a ironia do Cazuza, onde o Nelson se perde: é a Marisa fazendo aquilo que o Nelson é um dos grandes mestres (ou seja, o deslocamento temporal nesse caso sofre um achatamento, e o caráter fake de releitura despojada se perde). Ponto pro Nelson, que acerta ao carregar na passionalidade do arranjo, rompendo com o despojamento MPB da Marisa (mas, para sermos justos, esse despojamento faz bem para sua versão). A dor do Nelson é mais doída.
NELSON 1 X MARISA MONTE E ARNALDO 0
4) MEU ERRO (NELSON X PARALAMAS)
O modelo escolhido por Nelson nesse caso deixa escapar uma dimensão importante da canção original – essa era a principal crítica feita a esse padrão operístico, que aqui revela seu fundo de verdade. Na versão do Paralamas adivinha-se certo desespero ansioso de um jovem que está tentando se convencer a todo custo, uma dimensão de ansiedade que a versão original deixa mais evidente, assim como o caráter de falsa resolução da primeira parte. Essa falsidade fica clara quando a batida ska perde centralidade após a invocação a Deus, quando o sujeito assume (mesmo que colocando no passado) que tudo o que ele queria era estar ao lado do outro. Enfim, tem um duplo movimento entre o desejo de afastamento e a dor do afastar-se (formalmente, uma diferença de tom entre a primeira parte e o refrão. Quase didaticamente, a guitarra é o Herbet Vianna, o teclado é a moça que quer voltar. No Nelson, que é mais macho, a moça desaparece) que a versão do Nelson acaba por chapar, enfatizando sobretudo a dor da separação (a passionalidade de sua interpretação, que sempre remete ao afastamento do objeto). Perde-se assim uma tensão importante da música, que a versão do Paralamas propõe e mantém, mesmo que com um acompanhamento musical que poderia ser muito melhor.

NELSON 0 X PARALAMAS 1
5) AINDA É CEDO (NELSON X LEGIÃO URBANA)
Ainda É Cedo by Nelson Gonçalves on Grooveshark
Ainda é cedo by Legião Urbana on Grooveshark
O maior acerto do disco. Essa é uma que o Renato Russo gostaria de perder pro Nelson Gonçalves, sendo talvez o primeiro a reconhecer, com prazer, sua superioridade. A versão do Legião soa como aquilo que ela é: um pastiche de pós-punk, decalque do The Cure, com uma historinha de amor vomitada as presas que soa pouco convincente. Aqueles casos, comuns no Brock, em que o original parece uma cópia mal feita. A do Nelson, ao contrário, soa como aquilo que ela deveria ser: música de cabaré. A versão traz um frescor de originalidade, vinda de um veterano máximo da MPB, em estilo pré Bossa Nova. Aqui, de fato, estamos em uma relação de mútua escravidão, e o “Ainda é Cedo” do refrão soa como um grito perdido em um filme do Tarantino. A versão do Nelson ganha em clareza,  o distanciamento do tempo da rememoração, do sujeito que pesa os acontecimentos, e que verdadeiramente aprendeu a lição da moça. A do Legião quer parecer madura (aliás, essa não é uma boa definição pra toda produção do Legião Urbana, que insiste em se apresentar como mais madura do que efetivamente é, sendo que sua qualidade principal não está em sua maturidade?) mas soa fake e afobada em diversos momentos, apegando-se excessivamente ao pós punk, como um clichê. Coisas de banda iniciante (ainda era cedo). Renato diz que uma menina ensinou quase tudo o que ele sabe, e ao fim da canção fica-se com a impressão de que ele não aprendeu quase nada (talvez seja isso mesmo, e a partir do segundo disco ele ia revelar que aprendeu muito mais com homens do que mulheres). Quem sabe mesmo é o Nelson, que inclusive divide o refrão (que contém a moral da história) com vozes femininas… O Ainda é cedo da Legião soa como marca do não saber, que permanece, enquanto que no Nelson, é um estágio já superado. É claro, cantores com longas carreiras também se apegam aos mais diversos clichês, mas não é o caso dessa versão, que soa como um tipo de canção de cabaré com toques etéreos, quase psicodélicos – cairia bem com Jefferson Airplane. É como se o Nelson resolvesse pegar a historinha do Renato Russo: dá aqui, moleque, deixa eu contar isso direito porque você ainda não aprendeu a lição. A música ganha em densidade, camadas, o jogo com o coral e a percussão fazem o arranjo crescer. Enfim, um baile.
*O gol do Legião que o juiz marcou é porque sua versão não é inadequada. O fato do refrão ser aquilo que o sujeito dizia pra moça antes de aprender a lição demonstra consciência da dimensão fake da afirmação de que tal lição foi aprendida. Mas a versão do Nelson, que percebeu faz tempo que um pé na bunda não é o fim do mundo, mas a própria condição humana, mostra que seria muito melhor se a lição fosse aprendida.

NELSON 4 X LEGIÃO URBANA 1
6) VOCê É LINDA (NELSON GONÇALVES X CAETANO VELOSO)
Você É Linda by Nelson Gonçalves on GroovesharkVocê é linda by Caetano Veloso on Grooveshark
Bom, aqui o advbersário é duro, tipo encarar o Anderson Silva, porque o Caetano é talvez o maior mestre nesse tipo de canção pop de amor na MPB. E o cara é simplesmente brilhante quando se trata de interpretação, de decantar aquilo que a canção, delicadamente, exige. E quando ela não exige nada, Caetano cria um tipo de interpretação que ora revela o que ali se ocultava, ora escancara contradições internas à forma, que de outro modo passariam desapercebidas (o caso célebre de Carolina). Em suma, é difícil fazer uma interpretação melhor que a do próprio Caetano (o mesmo vale pro Chico Buarque, diga-se de passagem, um puta intérprete). O que nao quer dizer que seja impossível, primeiro porque Caetano erra (sobretudo porque arrisca), segundo porque em canção é assim que funciona: nada é definitivo. Mas não é esse o caso. Nelson carrega nas cores do bolerão, e o tom Bossa Nova (mas é importante dizer que a canção guarda distância da Bossa Nova, sobretudo se repararmos bem no violão contínuo de Caetano, sem swingue nenhum, quadradão, acentuando os 4 tempos)  de aceitação da beleza da moça como um dado natural, como letra, música e ritmo, se perde. A interpretação do Nelson é excessivamente passional e chama atenção para o intérprete, enquanto que Caetano esforça-se para dar uma imagem precisa (concretude) de seu objeto – moça, mar, abaeté, a própria canção. O “você” do título ocupa o primeiro plano, e toda canção é uma busca pela adjetivação precisa, solar, desse objeto. Mas Nelson é malandro e não descaracteriza a canção, por isso a vitória não é, assim, de lavada.

NELSON 0 X CAETANO 2
7) BEM QUE SE QUIS (NELSON GONÇALVES X MARISA MONTE)
Novamente o embate do Nelson com a última musa da MPB – de certo modo, a negação da possibilidade de musas na MPB. Uma versão de Nelson Motta para uma canção francesa, que foi um grande sucesso nos longínquos anos 90. No primeiro embate Marisa foi jogar no campo do adversário, e até que se saiu bem, mas acabou perdendo. Já aqui se trata do jogo de volta, e é o Nelson que vai se arriscar nesse terreno pop quase pagode (não é a toa que o Exaltasamba gravou a música, que ficou pior que as duas – deixou tudo quadradão) que Marisa domina bem. O resultado é que sua interpretação não consegue se adequar à naturalidade exigida pela canção, sobretudo no seu refrão. A canção se estrutura de uma forma bem convencional de modo a ser toda ela uma preparação para o extase sexual do final, extase esse que exige uma naturalidade entoativa que se aproxime da pulsão corporal. Ou seja, no refrão a melodia tem que ceder espaço para entoação porque é o corpo que vai entrar em cena. Esse é o único charme da canção, aliás, bem pobre – todo o pagode mais convencional se baseia exatamente nesse movimento, assim como parte do repertório romântico mais sexualizado do Roberto Carlos e seus seguidores, como Wando. Mas, ao não conseguir realizar esse mínimo deslocamento, a versão do Nelson fica desconjuntada. Me dói admitir, mas pontos pra Marisa por conseguir simular o orgasmo no final. O Nelsão dá uma brochada.

NELSON GONÇALVES 0 X MARISA MONTE 1
8)CASO SÉRIO (NELSON GONÇALVES X RITA LEE)
Rita Lee era ótima para fazer boleros que soassem modeninhos. Um dos melhores é “Mania de Você”, uma canção excelente, naquele modelo de romantismo sacana que o Tim Maia adorava. “Caso Sério” é um outro exemplo da série, só que aqui marcado por certo certo distanciamento irônico, como se o flerte com o bolerão cafona não pudesse ser assumido integralmente, a não ser mediante ironia. Daí o porque do “Românticos de Cuba” ser pronunciado em portunhol, e de aparecer um “misto quente” que desloca o romantismo da cena com uma imagem de declarado “mal gosto”. Ora, Nelson Gonçalves não tem problemas em fazer a canção soar como um bolero deslavado, retirando qualquer traço de ironia da interpretação (por isso o misto quente fica tão estranho na sua versão), assim como ele já havia feito com Cazuza. Só que aqui o movimento funciona perfeitamente, pois a ironia que Rita aplica não é estrutural, mas antes um certo receio ou vergonha de fazer um bolero deslavado (o que não vai ser problema em “Mania de Você”, que assume integralmente sua sensualidade de Cabaré). Ao fazer a canção assumir integralmente sua vocação, a versão de Nelson supera a original, conseguindo soar ainda mais sensual – e não é muito fácil superar a Rita Lee nesse campo. 

*Só pra servir de contraponto, e pelo prazer do sadismo, acresento uma versão muito inferior -  ainda pior porque quer aparecer como releitura cult. Aqui, a canção desaparece totalmente para ceder lugar a um violão sofrível e a torneios vocálicos absolutamente gratuítos. Nem beleza nem ironia, apenas uma egolatria desnecessária. Agradecemos ao senhor Ed Motta pela pérola.
NELSON GONÇALVES 1 X RITA LEE 0
ED MOTTA rebaixado para a série C do campeonato.
9)NADA POR MIM (NELSON GONÇALVES X MARINA LIMA E PAULA TOLLER)
Nada Por Mim by Nelson Gonçalves on GroovesharkNada Por Mim by Marina on GroovesharkPot-pourri nada por mim fullgás by Emilio Santiago on Grooveshark
Uma canção pop romântica do Hebert Vianna, típica dos anos 80. Aqui ganha quem parecer mais sincero sendo um capacho. A canção por si não possui grandes atrativos, por isso em todos os casos o arranjo e a interpretação são bastante convencionais. A interpretação de Marina Lima e da Paula Toller seguem os clichês definidas por cada uma, e a de Nelson também segue seus próprios cliches. A versão ao vivo de Paula Toller com voz e violão segue o mesmo padrão adocidado das cantoras MPB contemporâneas. A submissão é adocicada e se apresenta sem resistência em todos os casos. A canção não é mesmo grande coisa, e mesmo um grupo péssimo como Sorriso Maroto consegue fazer uma versão que não compromete, porque não tem nada ali para ser comprometido. Talvez a melhor versão seja a do Emílio Santiago, que pelo menos é mais sincero ao revelar despudoradamente todo prazer sexual presente naquela situação de submissão masoquista, em sua versão soul-pagodeira. Enfim, o jogo é bem ruim, sem gols e sem emoção.
NELSON GONÇALVES 0 X MARINA LIMA 0
10)SIMPLES CARINHO (NELSON GONÇALVES X ÂNGELA RORO X SIMONE)
Essa destoa um pouco das outras composições do album pois é uma música cuja base não é o pop rock anos 80. É uma canção de João Donato, com letra de Abel Silva – professor universitário que se tornou letrista por sua aproximação com Raimundo Fagner - e que coloca uma questão interessante. Acredito que exista uma ligeira incompatibilidade entre a letra e a música nessa canção, pois me parece que a letra é mais passional do que o exigido pela melodia. Pra quem não conheçe, sugiro que comece ouvindo a versão instrumental do João Donato, e procure imaginar sobre o que poderia ser a letra. A meu ver, a música tem certa leveza que as cores carregadas da letra (“Amar é sofrer”) fazem perder. E as interpretações acabam por focar mais no sentido da letra do que no da parte musical, até chegar no excesso passional (equivocado) da interpretação da Simone. Elas não são ruins, mas perdem algo da dinâmica proposta pelo João Donato. Aqui, portanto, o problema é anterior as gravações, ainda que a Simone peque por um excesso de passionalidade.

NELSON GONÇALVES 1 X ANGêLA RORÔ 1 X SIMONE 0
11) ESTÁCIO, HOLLY ESTÁCIO (NELSON X LUIZ MELODIA X MARIA BETHÂNIA X MARTINÁ’LIA)

Um dos grandes intérpretes da MPB, em uma canção que está em um dos maiores discos da música brasileira de todos os tempos (Pérola Negra, 1973). Aí o negócio fica difícil. Contudo, essa música não deixa de ser um belíssimo samba canção, ainda que fale de morte e tenha sua dose necessária de esquisitices. E é claro, são essas mínimas sutilezas esquisitas  que ajudam a compor seu brilhantismo, assim como é claro que vão ser a primeira coisa a desaparecer na interepretação mais canônica do Nelsão. Sua versão vai propor uma suavização das arestas proposta pelo maldito Luis Melodia  - o que demonstra o equívoco das interpretações que dizem que esse modelo é sempre exagerado e passional, incapaz de sutilezas. A versão de Nelson Gonçalves prima pela beleza, enquanto que a de Melodia flutua entre beleza e violência (morte, maldição, ódio). A original é mais adequada aos sentidos propostos, mas a de Nelson é uma belíssima interpretação. Como bônus fica a versão da Maria Bethânia em um disco produzido pelo Caetano (Drama), que faz questão de reforçar as “esquisitices” da versão original, e o dueto de Luiz Melodia com Martiná’lia, que é a versão mais equilibrada, belíssima. Ponto pro compositor, que criou essa jóia.
NELSON 1 X LUIZ MELODIA 3 X MARIA BETHÂNIA 2 X MARTINÁ’LIA 3
12) ME CHAMA (NELSON GONÇALVES X LOBÃO)


Lobão é um reacionário conservador com opiniões cada vez mais medíocres (aliás, quem da geração do rock anos 80 se salva? Esse é o preço pago por uma rebeldia juvenil de classe média desvinculada de uma base social concreta. O abismo desa geração para anterior  (MPB) e a posterior (RAP) em termos de alienação é impressionante. Eis o resultado da rebeldia enquanto produto de grife apenas). Dito isso, é preciso reconhecer que ele é o grande intérprete de suas canções (e ele tem algumas excelentes) e que suas interpretações vão ficando cada vez melhores com o passar dos anos. Aqui Nelson perde a mão – como havia acontecido antes com Cazuza – porque a canção ganha muito com um tipo de interpretação mais rock n’ roll. Na voz do Lobão, os versos ganham a intensidade do desespero, que os tornam muito mais contundentes: é óbvio que se a moça não telefonar, o cara vai ter uma overdose de cocaína, que a propósito já deve ter começado. Para o Nelson, é uma dor como qualquer outra, tanto que ele padroniza a distinção que tem entre a segunda parte e o refrão (e que nas versões primárias dos anos 80, do Lobão e da Marina, é reforçada descomedidamente). Nessa interpretação Nelson erra a mão e elimina o desespero que faz a graça da coisa, submetendo-se aos clichês de interpretação. 
Dito isso, meus senhores, é claro que tem a versão do João Gilberto pra essa música… O baiano transforma o desespero da interpretação do Lobão em dado formal, transformando-o em uma relação entre melodia, fala, arranjo e harmonia. O desespero se torna um traço da composição, que faz com que a própria canção se dissolva. É chato de ouvir, não dá pra cantar junto, o desespero angustiado de roqueiro veterano se converte em depressão profunda. É só ler os comentários decepcionados dos fãs do Lobão no youtube pra saber que a visão que João tem da situação cantada é bem desagradável. Enfim, não vou colocar o João Gilberto no jogo, porque ele instaura um outro patamar na canção, difícil de ter termos de comparação… Não se trata de uma fuga, ou de aliviar a barra dos dois de forma condescendente. Mas é como se estivessemos num concurso de literatura contemporânea e de repente alguém dissesse que o Machado de Assis escrevia melhor. Possivelmente é verdade, mas não deixa de ser um disparate. 

NELSON GONÇALVES 0 X LOBÃO 3
…e a BOSSA NOVA É FODA
10\2013

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