quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A ORIGEM - quando a estrutura faz perder o essencial

A ORIGEM - Tinha tudo pra ser bom, mas... Quer dizer, não que não tenha coisas boas no filme. Eu assisti lembrando daquela cena do Amadeus em que Mozart explica pro rei, perplexo, por quanto tempo ele conseguiria introduzir novos personagens em uma cena de ópera. A Origem faz isso que melhor que nenhum outro filme que eu lembre.
Não se trata de montagem paralelas, isso tem de monte no cinema, mas de rupturas que rompem com a sequência narrativa e lhe imprime novas camadas de significação. Como se o diretor perguntasse pra nós: quantas novas narrativas eu sou capaz de fazer voce engolir sem que (e isso é importante) se rompa o fluxo de temporalidade radicalmente, em negativo. Ou seja, para que continuemos em Hollywood, e não passemos para Godard. Para que seja um filme do gênero assalto, sem tornar-se cinema experimental. E são muitas as camadas envolvidas, de fato... a melhor eu acho que é a relação estabelecida com o cinema, como no fundo todos os efeitos e enredos milaborantes não passam de uma forma de introduzir uma idéia bem simples em nosso subconsciente, encomendada por um megaempresário poderoso. Essa é boa porque não aparece tão mastigada quanto outras, mas diluída na própria ação do filme.

O problema do filme é justamente que, para sustentar sua arquitetura faraônica e mirabolante o diretor tem que chamar a atenção para ela, a estrutura, incessantemente. Tem que repetir o filme inteiro que a mente que adentramos é na verdade do Di Caprio, que é ele tentando superar um trauma. Os demais personagens acabam se tornando rasos, mera engrenagens, dispositivos que fazem caminhar o talento egocentrico de Nolan, que se sobrepõe à obra. A arquitetura do filme é sobrevalorizada, colocando em segundo plano o conteúdo. É só comparar a falta de carisma e profundidade dessas personagens (mesmo Di Caprio é menos profundo que o esquema em que se envolve) com as do Cavaleiro das Trevas, em que a grandeza do enredo de ação contribui para aprofundar ainda mais a relação de complexidade entre as personagens. No caso da origem, todos são coadjuvantes. Daí o paradoxo da estrutura ser complicadíssima ao mesmo tempo que esforça-se por tornar óbvia as camadas de profundidade e relações feitas, sem deixar espaço para um questionamento do expectador. O filme é um quebra cabeça estrutural (muito bem feito, e que tem sentido, ao contrário do que andam falando), que ao ser resolvido deixa tudo como está. De novo, bem diferente do coringa, um ponto de vista que não pode ser levado até o fim pela Indústria.

O problema estrutural básico do filme é que à complexidade radical da forma não corresponde uma complexidade de conteúdo, ou ainda, a complexidade formal só se sustenta por uma atonização do conteúdo. A forma que Nolam escolhe para manter o expectador por dentro do que está acontecendo sem se perder é deixar por demais evidente o que está acontecendo. O óbvio ululante, um quebra cabeças de mil peças, mas que ao final é uma imagem do cebolinha com a mônica, exagerando um pouco. Ele se prepara para questionar a estrutura do cinema, mas produz um espetáculo grandioso em que o sujeito (no caso, Nolan), em sua forma espetacular é celebrado - de novo, não é por ser um filme hollywoodiano, o Cavaleiro das Trevas também é e consegue ser bem mais questionador, sem deixar de ser o mais empolgante filme de ação do ano. A Origem não consegue se decidir. Não que não existam surpresas, o filme é feito de surpresas, mas essas são preparadas por um caminho bem posto, tranquilo até certo ponto. Algo do tipo, ó aqui parece ser só ação, mas também tem a questão psicanalítica, viu, olha aqui a mulher reprimida. O filme peca por didatismo em vários momentos, por personagens que tem função didática, por um enredo que também mantem, apesar de tudo, certo didatismo: o chato do Di Caprio tentando superar seu próprio trauma, do jeito mais mirabolante possível.

2 comentários:

  1. tudo o que eu sempre quis colocar em palavras sobre esse filme e não tive capacidade para fazê-lo.

    compartilharei no blog.

    Amplexos!

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  2. Na mosca a análise. Me deixou com questões...

    O que diferencia um filme com estrutura complexa de um filme com conteúdo complexo?

    Por que a forma compósita nem sempre é necessária pra fazer um filme com diversas camadas de significado?

    E, nesse caso, por que obras tão boas quanto as de estrutura narrativa simples são obrigadas a recorrer a isso para serem tão boas quanto?

    abraço,
    vini

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