quinta-feira, 19 de abril de 2007

Makumba em dois níveis



NORIEL VILELA - Eis o home (1968)


Esse é o famoso 16 toneladas original... não precisa dizer mais nada. Sambalanço e samba de primeira, com uma voz inconfundível, grave, porém sem perder a ginga e o swing em interpretações grandiloquentes e exageradas. E os sons todos tem temática de candomblé, alguns com ritmo ritualisticos estilizados... Vale muito a pena.


Transcrição da coluna "Histórias que a vida escreve" de Malu Rodrigues, da 'GAZETA DE NOTÍCIAS", do Rio de Janeiro:

"O HOMEM E O ÔME" RESOLVERAM O PROBLEMA

Noriel Vilela é sucesso absoluto com o samba "Só o ôme", gravado em compacto COPACABANA, uma produção que, uma vez lançada, "bateu" e "valeu". êxito de venda e artístico. "Só o ôme" figura em todas as paradas de sucessos, granjeando público e simpatia, principalmente nas praças do Rio e de São Paulo.
"Só o ôme" conta, pitorescamente, a história de um indivíduo que ficou numa situação difícil por sua própria culpa, a ponto de só voltar a ser o que era depois de consultar o "ôme" que, em linguagem umbandística, significa o "dono da encruzilhada". Mau filho e mau marido, o referido cidadão ainda "puxava saco" de patrão e, vai daí, foi perdendo tudo - emprego, amigos - inclusive fez "candonga" de companheiro seu, ficando "naquela" pior.
"Só o Ôme" tem, pois, uma letra interessante e, independente disso, é vestida com uma melodia simples e fácil, bem ao gosto popular. Gfravada na inconfundível interpretação de Noriel Vilela, está faturando que é uma beleza, sendo o disco mais procurado por todos os revendedores do Brasil.
Aonoriel Vilela de Arantes é o nome que está assinado no contrato de exclusividade com a COPACABANA, NOriel Vilela é o que aparece na etiqueta do disco; "Nonõ" é o apelido que vem da infância difícil e sem graça no bairro carioca de Lins Vasconcelos, onde nasceu, soltou pipa, brigou muito e chutou bola de meia.
E enquanto Noriel "espichava" até um metro e oitenta e três, a voz descia até um fá natural profundo e aveludado, que ecoaca nas serestas das noites de sábado e nas festinhas eventuais. Mas o cantorio ficava só nisso, pois durante a semana o "toque de alvorada" era às 6 da matina; depois, era a longa viagem para o trabalho, na "taioba" das 6:30, rumo à CIa. Propac, onde o torneito-mecânico NOriel arranjava o dinheirinho semanal para ajudar a família e ir ao cinema do bairro no domingo.
Um dia, programa de calouros, Ary Barroso, nota 4; estava inoculado o germe. "Os Cantores de èbano", gravações, todo mundo tomando conhecimento de sua voz privilegiada, destacando-se em sucessos do conjunto. Logo Depois, coral dissolvido, violão debaixo do braço, pouco juízo na cabeça, muitas canções no coração, lá se foi NOriel por muitos caminhos e, tanto foi e voltou, tanto andou, que sumiu. E quase dez anos depois se passaram.
Mas, em todo esse tempo de sumiço, a saudade do cantor era maior que a necessidade de voltar a ser torneiro-mecânico; e maior ainda a tristeza de ver tudo à volta na estaca zero, por sua própria culpa, por não ter ajudado a que o ajudassem. Então, a conversa de si para consigo em fim-de-noite mal dormida:
-NOriel: do jeito que você está, só há um homem que pode lhe ajudar. E você sabe muito bem quem é, e onde está. Chama-se Ismael Corrêa e é diretor-artístico da Copacabana Discos; Aquele mesmo que lhe ofereceu a oportunidade que deu a Elza Soares, Wilson Simonal, Cantores de èbano, Altemar Dutra, Jorge Ben e tantos outros. Cai procurá-lo, pelo menos para ele saber que você ainda vive. Quem sabe?
O homem deu a oportunidade e o "ÔME" ajudou...

Texto extraído da contracapa do LP


Faixas:
01 - Promessado (Carlos Pedro)
02 - Saravando Xangô (Avarese / Edenal Rodrigues)
03 - Só o Ôme (Edenal Rodrigues)
04 - Meu Caboclo Não Deixa (Avarese / Edenal Rodrigues)
05 - Pra Iemanjá Levar (Delcio Carvalho)
06 - Samba das Águas (Josan de Mattos)
07 - Eu Tá Vendo no Copo (Avarese / Edenal Rodrigues)
08 - Acredito Sim (Avarese / Edenal Rodrigues)
09 - Peço Licença (Avarese)
10 - Cacundê Cacundá (José de Souza / Orlando)
11 - Acocha Malungo (Sydney Martins)
12 - Saudosa Bahia (Noriel Vilela / Sydney Martins)


OS TINCOÃES (1973)


Violão, atabaque, agogô e cabaça. E um conjunto vocal belíssimo - relambrando os conjuntos vocais gospel - de afinação perfeita, cantando sobre uma base de candomblé. E fizeram o maior sucesso na época, antes de se mandarem pra Angola. É por essas e outras que a academia não estuda a canção popular - dando desculpas as mais variadas e furadas possíveis, sem nunca alegar incopetência ou reacionarismo (do que se trata, no fim das contas). O seu papel é de guiar espiritualmente a nação (que obviamente não é capaz de o fazer por si só, por não estar intelectualmente armado contra as ideologias, pois só quem pode estar é quem está do lado dos que as produzem) pelo que há de mais elevado na cultura, contra a mediocracia reinante nos meios de vinculação informacional de massa. Portanto, quando a qualidade estética dos objetos coincide com o sucesso junto ao público (uma espécie de heresia ou, no mínimo, uma contradição lógica), quando o público consagra gênios como Luis Gonzaga, Dorival Caymmi, Ray Charles, James Brown - e rejeita artistas ruins que tentam usar essa rejeição como forma de adentrar o mercado, tachando-se de alternativos (complementando Adorno, o consumidor da Industria Cultural gosta de um artista não só porque ele vende, mas gosta também porque ele não vende) - o papel histórico do crítico (antes de tudo, de classe) perde o sentido. Daí a recusa ao estudo da canção popular, o objeto artistico por excelência do nosso país, e a concentração das atenções na literatura, expressão daquilo que não podemos ser - e todos os nossos grandes romances de uma forma ou de outra não falam senão disso. Segue um pouco de historinha...


Formado inicialmente por Erivaldo, Heraldo e Dadinho, todos de Cachoeira, os Tincoãs - cujo nome é originário de uma ave que habita o cerrado brasileiro - iniciou sua carreira em 1960 no programa da TV Itapoã "Escada para o Sucesso", interpretando canções, em sua maioria boleros, inspirados no sucesso do Trio Irakitan. Chegaram inclusive a gravar um disco intitulado "Meu último bolero", sem alcançar o êxito esperado. Em 1963 Erivaldo desligou-se do grupo e a este foi incorporado outro componente, Mateus, que com os demais formaria a base principal do conjunto. Renovaram o repertório e partiram para adaptar os cantos de candomblé, sambas de roda e cantos sacros católicos. Mas foram os terreiros de Candomblé que deram a base principal da musicalidade dos Tincoãs. Em 1973 gravam o segundo disco produzido por Adelzon Alves, e o primeiro como representantes legítimos da música afro-baiana, este LP é um marco importante da música brasileira, não apenas pela qualidade das músicas, como também pelo arranjo com características de coral feitos a partir de canções oriundas dos terreiros de candomblé, tendo como base apenas quatro instrumentos: violão, atabaque, agogô e cabaça. Este disco também revela o talento dos componentes como compositores, principalmente Mateus e Dadinho, que assinam a maioria das músicas.

Um dos destaques do disco é "Deixa a gira girá", canção de origem folclórica, adaptada pelo trio com muito talento, e uma das mais executadas quando se apresentavam em público. Merece referencia também "Iansã Mãe Virgem", "Sabiá roxa", "Na beira do mar", "Saudação aos orixás" e "Capela da Ajuda", que fazem um belo painel da cultura negra do recôncavo baiano. Principalmente a última, que faz referência explícita a uma das poucas construções religiosas da Bahia de estilo católico, mas que cultua e abriga em seu interior rituais da tradição africana. Com produção musical do maestro Lindolfo Gaya, o LP tornou-se recordista de vendas na ocasião de seu lançamento. Não pelo ineditismo de seu repertório, já que muitos outros discos com temática afro já haviam sido lançados no mercado. O seu diferencial esta na beleza plástica das canções e da perfeita harmonia vocal do grupo, o único no país que conseguiu fielmente traduzir o sentimento e a musicalidade de nossas tradições negras, numa demonstração de afirmação da identidade de uma cultura que nos engrandece e nos faz ver o quanto devemos aprender com ela. Mesmo porque já faz parte de nossa formação, e a ela devemos o privilégio de conviver com esta mestiçagem que tanto nos orgulha e é a responsável pela formação da identidade cultural brasileira. Ouvir o disco dos Tincoãs é reafirmar a certeza de que não seríamos um país tão rico se não fosse a nossa ancestralidade africana, pois ela traduz o mais autentico sentimento de brasilidade que carregamos.


Mas esse texto sobre o primeiro disco dos Tincoãs não poderia terminar sem falarmos também sobre a trajetória ocorrida logo após o seu lançamento.Em 1975 a primeira grande baixa no grupo ocorre com a morte de Heraldo, depois de gravar um compacto e uma faixa, "Banzo", no LP da trilha sonora da novela Escrava Isaura. A lacuna foi preenchida com a entrada de Morais, permanecendo por pouco tempo, mas participando do terceiro LP do grupo, "O Africanito", lançado em 1975. Logo depois, substituindo Morais, foi incorporado ao trio o vocalista Badu, mantendo dessa forma a tradição e a qualidade musical do grupo. No ano de 1977 gravaram um outro disco destacando-se a música "Cordeiro de Nana", de Mateus e Dadinho Em 1983 Os Tincoãs foram para Angola para temporada de uma semana em Luanda, e lá se estabeleceram, participando de projetos da Secretaria de Estado da Cultura de Angola, que entre suas prioridades visava identificar valores angolanos na cultura e na música brasileira, além de estabelecer ligações entre o culto angolano e o candomblé praticado no Brasil. Nessa ocasião gravaram o disco Afro Canto Coral Barroco, com a participação do coral dos Correios e Telégrafos do Rio de Janeiro, sob a regência do maestro Leonardo Bruno e produção de Adelzon Alves. Este disco permaneceu inédito, só sendo lançado em 2003, portanto vinte após a sua gravação.

Em 1984 Badu desligou-se do grupo, porém Mateus e Dadinho permaneceram juntos e em 1985 gravaram um disco no Brasil pela gravadora CID, que foi lançado em Angola. No país que abraçaram trabalharam em Luanda, Huambo, Lubango, Benguela, Namibe e Bengo e puderam ver de perto as batalhas que redundaram na guerra pela independência. Com a morte de Dadinho em 2000 o grupo se desfez, mas deixou um legado dos mais primorosos para a música popular brasileira, como um dos principais representantes das raízes de nossa música de origem africana. Discos e músicas inesquecíveis.

Luis Américo Lisboa




Faixas:
01- Deixa a gira girá (Adap. Mateus, Dadinho e Heraldo)
02- Iansã, mãe virgem (Mateus e Dadinho)
03- Sabiá roxa (Adap. Mateus, Dadinho e Heraldo)
04- Ogundê (Adap. Mateus e Dadinho)
05- Na beira do mar (Mateus, Dadinho)
06- Raposa e guará (Adap. Mateus e Dadinho)
07- Saudações aos orixás (Adap. Mateus e Dadinho)
08- Canto pra Iemanjá (Mateus e Dadinho)
09- Capela d'Ajuda (Adap. Mateus, Dadinho e Heraldo)
10- Obaluaê (Adap. Mateus, Dadinho e Heraldo)
11- A força da Jurema (Adap. Mateus, Dadinho e Heraldo)
12- Embola, embola (Adap. Mateus e Dadinho
VORAZ

7 comentários:

  1. Olá Luís!!

    Eu estou super feliz hoje pois consegui dois dos discos dos Tincoãs e procurando informações sobre o grupo, achei em seu blog um texto super bonito!
    Sou cantora, baiana e percebo que muitos dos meus amigos músicos não conhecem a obra genial dos Tincoãs, que já há muito tempo eu procurava ter! Estou apresentando pra todo mundo, afinal uma obra prima que merece ser divulgada em tempos de ´tanta pobreza musical né?
    Muito legal esse texto seu, parabéns!!
    Um abraço

    ResponderExcluir
  2. OLÁ, SOU DO RIO GRANDE DO SUL, E GOSTARIA MUITO DE TER O CD DOS TINCOAS, PORÉM O LINK JÁ ESTÁ DESATIVADO, TENS COMO ME MANDAR POR EMAIL ESTE CD? MEU EMAIL É glaucodeadiola@hotmail.com ou glaucodogum@terra.com.br
    desde já agradeço sua atenção.

    ResponderExcluir
  3. Gostaria de saber como adquirir as músicas dos Tincoãs , já que procuro há muito tempo.

    O ideal seria que eles não estivessem sido esquecidos pela mídia

    ResponderExcluir
  4. Procuro as músicas dos Tincoãs há muito tempo. Gostaria de saber como adquiri-las.
    Eles não mereciam estar tão esquecidos.
    Poucos conhecem o valor daqueles músicos

    ResponderExcluir
  5. olá, gostaria muito de baixar o disco dos Tincoãs, mas o link está com defeito...vc pode reativá-lo? de que outra forma posso conseguir o download?
    obrigada,
    cecília.

    ResponderExcluir
  6. Eduardo, como eu posso ter os discos de maravilhoso grupo tincoãs.
    eduardojraraujo@hotmail.com

    ResponderExcluir