sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Tom Jobim, o new sertanejo e a nova MPB.

Quem chamou a atenção para essas interpretações e seus sentidos foi o Breno. A ideia desse texto é integralmente dele. Só os equívocos de interpretação são meus.

Uma mesma canção pode adquirir sentidos os mais diversos dependendo de cada interpretação. As possibilidades de variação são infinitas, desde que respeitados os sentidos contidos no interior da forma. O equívoco mais comum de interpretação de um\a cantor\a é exatamente o mesmo que ocorre na interpretação de uma obra estética: a não compreensão daquilo que a obra diz conduz a uma apresentação equivocada de resultados. Não é raro um intérprete usar a obra como pretexto para apresentar a si próprio, assim como um crítico utiliza o objeto artístico como pretexto pra desfilar suas habilidades.

Vamos acompanhar a canção Correnteza, de Tom Jobim e Luiz Bonfá, em três interpretações bem distintas, e o sentido que cada um os intérpretes atribuiu a obra. Primeiro o original:



SENTIDO ÉPICO: Na versão de Tom Jobim a canção se compõe de blocos bem marcados, com uma clara ênfase no sentido musical da composição. Cada passagem e cada modulação apresenta uma mudança de sentido enfatizada: a introdução, a primeira parte, o intermezzo e o final. O andamento acelerado desloca a ênfase da canção para as passagens conjuntivas (em semiótica, temáticas), que na letra estão representadas pelo ciclo contínuo e perfeito da natureza - por isso não prejudica excessivamente a interpretação o fato de Jobim não ser um grande cantor, se o sentido principal estivesse contido na separação do sujeito com o objeto, haveria maior prejuízo. Como em Águas de Março a canção transmite a sensação de fluxo - só que aqui com teor mais positivo porque há um retorno do objeto que o sujeito busca - de um caminho constante e certo, com modulações e passagens, mas sempre contínuo. A transição do intermezzo (E choveu uma semana) é bem demarcada, como o momento em que o sujeito e a natureza formam mais claramente uma oposição. Tal ruptura serve para reforçar a força do momento seguinte, quando a correnteza do rio traz de volta o amor. A canção procura acompanhar as mudanças de sentido da história com um olhar mais distanciado, daí o sentido épico tão ao gosto de Jobim, na esteira de Dorival Caymmi. Das três, é a mais ousada e complexa em seus movimentos.

Pontos fortes: ousadia, complexidade, extrema habilidade na modulação de sentidos.
Pontos fracos: interpretação de Jobim, que pode fazer com que o comprometimento com a disjunção do sujeito não convença. Sentido épico também reforça a questão.

A interpretação seguinte infelizmente não tem vídeo, mas segue o link para o áudio:




Só pra dar um gostinho, segue link deles cantando outra coisa no Raul Gil:



SENTIDO LÍRICO: Mayk e Lyan é uma dupla de garotos de dezesseis anos descobertos no programa de calouros do Raul Gil. Fãs de Zé Ramalho, a primeira voz é poderosa e não lembra em nada a de um garoto. Os arranjos são típicos do sertanejo pop pós C&X. A versão é linda, mais emocionante (ou antes, emocionalmente comprometida) que a original, por conta do investimento da interpretação não na natureza, mas no estado passional do sujeito distante de seu objeto. O andamento desacelerado marca a mudança de sentido. O ponto de vista da canção no caso está colado no sujeito, diferente da versão de Jobim, que narra a correnteza da vida. O tema deixa de ser "Correnteza" e passa a ser "Longe do meu amor". Aqui, é fundamental que os intépretes cantem bem - e os meninos tem uma voz abençoada - para que não se rompa o contrato de autenticidade. É a versão mais convincente, nesse sentido de ter um eu que sustenta a estrutura passional. Ao mesmo tempo, algo do traço da natureza é mantido pelo sabor regional que tem o arranjo pop, especialmente pela ênfase na viola. O curioso é que esse acerto é uma opção marcadamente mercadológica, com vistas a aproveitar o sucesso dos dois no programa Raul Gil.

Pontos fortes: interpretação, maior organicidade ao se concentrar no sujeito, cujo resultado é um maior convencimento.
Pontos fracos: atonização do traço épico (natureza) por roupagem pop confere certo grau de montagem fake para esse sentido.

Por último, a última gravação, de uma representante da nova MPB, Ticiana:



SENTIDO NARCISISTA: Aqui ela procura reproduzir o sentido proposto por Tom Jobim - só que sem os músicos de grande qualidade - ao mesmo tempo em que procura dar destaque a sua própria interpretação e voz adocicada. A indecisão entre os sentidos épico e lírico da canção gera o descompasso da interpretação. Mesma coisa para os agudos e torneios vocálicos descontextualizados. A interpretação sem grande variação padroniza todas as modulações de sentido possíveis. A canção fica em segundo plano em nome da simpatia agradável de barzinho adotada pela intérprete.

Pontos fracos: Toda a versão.
Pontos fortes: é a menos conhecida das versões. Simpatia da moça.

2 comentários:

  1. a nova MPB não é indicada para diabéticos.

    uma curiosidade: vocês ignoraram a versão do Djavan de propósito? talvez os moleques se identifiquem mais com ela. tava tocando em O rei do Gado, mais ou menos no ano que eles nasceram! rs.

    http://www.youtube.com/watch?v=9Xgxgtr3SJQ

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  2. Nada.. tinha esquecido completamente.. e é verdade, essa da dupla é claramente inspirada nessa do Djavan, o rei da MPB pop. A do Djavan é mais adocicada, ta mais pra Ticiana eu acho (descontado todo o talento do cara, é claro)

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