segunda-feira, 6 de julho de 2009

PEQUENA HISTÓRIA DA MANUTENÇÃO DA ARISTOCRACIA – DA ERA DOS MACACOS ATÉ A ERA DAS UNIVERSIDADES


Pequena história da Manutenção da Aristocracia – da era dos Macacos até a era das Universidades

Parte I: da era dos Macacos.



Eramos macacos. Eramos macacos numa mundo inóspito. O mundo era inóspito. A água era escassa. A comida eventual. E eramos macacos. Macacos entre outros animais lutando, inexplicavelmente, para nos mantermos vivos num planeta inóspito. Algumas vezes, virávamos comida de alguma fera faminta. Entre nós macacos, a comida e a bebida que surgia era garantida, desde que outros animais mais fortes ou um grupo maior de macacos (consequentemente mais forte pelo número na hora da pela violência – desta violência impetuosa que se dá quanto não se come) não nos tomasse a comida e/ou a água. Era um mundo inóspito. A força bruta dominava. Sempre nos tomavam a comida e a água. Um dia, um dos macacos do meu pequeno grupo de macacos famintos, sedentos por água e atormentados pelo sol, indignado, ao ver os ossos secos – os restos secos pelo sol escaldante –, do que o grupo de macacos maior havia comido, se revoltou. E quando um macaco do meu grupo pequeno de macacos se revoltou, ele pegou um dos grandes ossos que haviam na sua frente e com uma fúria explosiva o investiu contra os outros ossos que jaziam no chão. O macaco batia o osso de suas mão contra os ossos do chão e os quebrava dramaticamente. E assim o fez até moer e subjugar os ossos ao pó. A furia do macaco com um osso na mão e na sua frente o pó. Neste momento, uma faísca surgiu nos nossos cérebros (que até então serviam para controlar involuntariamente nossos instintos); e da faísca no cérebro nasceu a mente. E do osso na mão do macaco mais a mente, nasceu a ferramenta. E com a ferramenta sempre na mão, passamos a andar mais sobre as pernas. Depois, com a eficiência do uso da ferramenta (o osso) passamos a ter sempre comida na outra mão. A comida (agora) abundante sempre ocupava as nossas mãos. E com uma mão com a ferramenta e a outra mão com a comida era difícil cutucar ou mostrar algo para os outros macacos... E assim passamos a chamar a atenção uns dos outros através de ruidos que emitiamos com a boca. Do ruido, nasceu o som. E dos sons recriamos o mundo, não como ele era, mas sim como achamos que é. E colocamos esse mundo criado dentro da nossa mente. Tinhamos a mente e sabíamos o mundo. Além disso, tinhamos a ferramenta, e dela nasceu o domínio sobre todos os outros animais, e sobre todo o meio. Subjugamos o meio. Desde aquele dia, a força não era do grupo maior de macacos, ou das feras, mas sim dos macacos que dominavam o segredo da técnica - que é simplesmente essa capacidade arbitrária e imperativa de dar sentido as coisas não naturais, transformar algo em algo além, fazendo do simples o complexo, ou seja: carregar os objetos simples do mundo com valores simbólicos. E aprendemos a guardar esses valores. Passamos a utilizar boa parte do nosso tempo aprimorando essa técnica. Aprimorávamos e subjulgávamos mais e mais. Capazes de recriar o mundo sem apresentá-lo (com os sons da boca) passamos a associar cada som a um objeto. Era difícil guardar na mente muitos sons, então acabamos usando poucos sons e com a combinação deles descobrimos que podíamos falar. Falar sobre o mundo. E capazes da falar sobre o mundo e nomear tudo nele, logo fomos dando nome ao osso que carregávamos (agora o 'osso' bem trabalhado e cheio de significados). O osso, uma ferramenta para garatir como pensamos o mundo, ou para garantir algo do mundo que queremos e/ou precisamos chamamos de arma. Aquilo que nada mais era do que um simples osso com um formato legal, nós passomos a enxergar como uma ferramenta passível de aprimoramentos, e desde então, os macacos deixaram de ver as coisas como elas simplesmente são, e passaram a ver s coisas como eles acreditam e os convém fazer uso delas. Muitas das coisas usadas por nós, nós nem sabemos o que realmente são. E quando um de nós misteriosamente vê 'a verdade', ele é chamado de louco e retirado do convívio. Depois que nós macacos, agora homens (dentre os sons e símbolos do nosso revolucionário sistema comunicativo: a língua) descobrimos a técnica ao transformar algo simples em algo simbólico (com uma função, além de apenas ser como se é o que simplesmente é), nós passamos a nos chamar e a chamar nossos pares de humanos. Inexplicavelmente consideramos o grupo maior de macacos nossos pares. Pelo menos os macacos que entenderam o nosso sistema simbólico. Os macacos que nos acompanharam. s macacos que legitimaram 'nossa visão de mundo'. Enquanto havia comida para todos, claro. Pois quando não havia comida para todos, nós os donos dos meios (das armas e das ferramentas) começamos a criar regras para garantir a nossa comida. Eramos os criadores das ferramentas, seus donos e sendo assim, acreditamos que seja um absurdo os donos das técnicas passar fome. Não passamos fome. Fome de nada. E garantimos isso e a nossos pares a qualquer preço. E deixamos [?] no passado a relação com os macacos. E assim tem sido...


Bibliografia

Kubrick, S. 2001: Uma Odisséia no Espaço. 1968.
Cristo, Jesus (org) et al. Bíblia Sagrada. 0.
Eco, Umberto. Semiótica. Série Debates.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Revisitando Marcos Valle

Downloads dos discos nos nomes em destaque:
Marcos Valle (e seu irmão, Paulo) entra na história da música popular brasileira como um compositor da chamada segunda geração Bossa Nova, junto com Edu Lobo, Francis Hime, Dori Caymmi, etc. Esse compositores surgem ja nos anos 60, e ampliam o sentido original do projeto Bossa novista, incorporando novos temas, outras linguagens para além do samba, (o regionalismo sofisticado de Edu Lobo, por exemplo) mas ainda compondo a partir de uma concepção harmônica e dentro daquela orientação de dicção definida por Tom Jobim e João Gilberto. Em especial, Marcos Valle cria canções com melodias ainda mais enfaticamente jazísticas, repleto de dissonancias, volteios, modalizações... Típico dessa fase é o "Samba de verão":


O disco "O compositor e o cantor" (1965), o segundo de sua carreira, representa bem essa fase inicial, trazendo dois dos maiores sucessos do cantor "Samba de verão" e "Preciso aprender a ser só". Essas duas por sua vez revelam tanto a continuidade quanto a ruptura do projeto da Bossa inicial, pois se o samba se enquadra com perfeição na estética de João Gilberto (foi inclusive por ele gravado), sendo uma espécie de releitura de Garota de Ipanema, preciso aprender a ser só já se afasta desse projeto, recuperando o formato antigo de samba canção, mas agora dentro do formato clean imposto pela bossa. O disco traz inclusive uma canção chamada "A resposta", direcionada contra a onda da canção de protesto "Falar do morro morando de frente pro mar/ não vai fazer ninguem melhorar". E samba jazz.

O que pouco se diz nas histórias da música popular por aí é que nos anos 70 o compositor irá mudar completamente de estilo e forma de compor, criando uma obra sólida e alguns discos antológicos, voltados para um estilo mais dançante, que no entanto de certa forma serão encobertos sempre pelo fantasma da Bossa, ao menos para a crítica. O público irá receber bem as canções de Valle interpretadass por outros aritstas, e as que fazem sucesso em trilhas de novelas Já no final dos anos 60, sob o impacto da Tropicália e da ampliação da própria noção de canção, via Beatles, o impacto da entrada em cena de Jorge Ben, e a potencia do estilo de Wilson Simonal, Marcos Valle irá transformar radicalmente a orientação de sua obra, construindo alguns de seus melhores trabalhos. A partir de então irá compor em muitos estilos e tentar diversos gêneros, desde o soul até a psicodelia, afastando-se definitivamente do paradigma Bossa, pelo qual, paradoxalmente, ficará marcado. Mas sem dúvida seu estilo amadurece mais à sombra de Simonal do que de João Gilberto.

Pode-se considerar o "Mustang cor de sangue", de 1969, o disco de transição. Desde o título e da capa, breguíssima, já fica marcada a mudança de direcionamento radical. Arranjos grandiloquentes, longe do comedimento exigido pela Bossa. Letras de cunho social, especialmente preocupado com a questão da reificação e alienação do homem moderno (que serão característicos de Valle a partir de então). O órgão estridente e a guitarra Jovem Guarda substituem o violão e o piano da Bossa. É quase um disco manifesto, revelando que a partir dali ele faz outra coisa, apesar de não haver uma rejeição do estilo anterior ("Catarina e o vento", "Samba de verão 2"). Mas agora se fará também frevo, rock, swing, samba jazz a la simonal, como a excelente "Mentira carioca", etc. E principalmente os arranjos, que mudam de sentido tornando-se bem mais ostensivos, com metais, cordas, guitarra, mesmo nas canções mais próximas da Bossa. É nesse disco que ele irá incorporar definitivamente o pop na sua linguagem (como havia feito a tropicália, no ano anterior). Não à toa, a última música ele divide com Milton Nascimento, um mestre em unir a linguagem mais tradicional com a sofisticação moderna do pop.

O disco seguinte, "Marcos Valle" de 1970, continua ampliando sua linguagem, e o resultado é um disco mais bem acabado que o "Mustang", mais redondo, como se Valle desse um passo atrás para avaliar o momento anterior de rebeldia. Isso deve-se muito ao grupo de apoio, o fenomenal Som Imaginário, o mesmo que acompanhava Milton Nascimento. Nesse album ele já revela uma guinada para uma música mais dançante, cheia de swing e relacionada com a black music e com o samba jazz a la Simonal (alias, se o Simona gravasse canções como "Esperando o Messias", "Dez leis", "Os grilos"... pena que não deu tempo), mas ainda junto com outros estilos, incluindo uma suíte intrumental de 9 minutos, lembrando muito o rock progressivo. Se é certo que ele mantem em suas composições características próprias da Bossa, em especial na concepção do esquema das canções, que recebem um tratamento mais musical que da oralidade, o certo é que ele não se fixa em um único estilo, antes incorporando o seu modo de compor a inúmeras formas distintas, desde a black music, passando pela Bossa nova, e pela psicodelia. Um dos 4 grandes albuns de Valle do período.

Mas a meu ver disco "Garra" de 1971, é onde ele encontra seu registro mais bem acabado. Aqui se dá o encontro definitivo de Marcos com a black music e com o swing, em várias vertentes, soul, samba jazz, R&B, mas com o senso próprio de comedimento próprio da Bossa, além da presença marcante do samba e da complexidades melódicas. É um disco que lembra algo do Simonal, especialmente o da "Nova dimensão do samba", de 1968, mas que trás tambem Bossa (Ao amigo Tom), soul (Jesus meu rei), R&B (O cafona) É desse disco o soul "Black is beautiful". O violão típico da Bossa é substituído por um piano cheio de swing, um violão a la Benjor belos corais e arranjos jazzísticos. O resultado é um dos discos mais bem elaborados da cena "Black" nacional, melhor que muitos daqueles que se enquadravam diretamente nessa corrente. Marcos Valle não resistiu a sua época, desceu do banquinho e foi dançar.

Aliás, uma das características de Valle, e que será perceptível até em seus últimos trabalhos,
recheado de recursos eletrônicos e sonoridades modernas como os trabalhos atuais de Sérgio Mendes, com reconhecimento internacional bem maior que o brasileiro (New Bossa Nova), é o desejo de trabalhar com o contemporâneo - revelando a força do impacto da tropicália - com linguagens modernas e que estão em evidencia no momento, sem abrir mão de sua característica própria. Isso marca desde sempre sua diferença com o tradicionalismo da Bossa Nova.

Em 1972 dá outra guinada radical e lança "Vento Sul". Acompanhado pelo grupo de rock progressivo O Terço, ele vai se enveredar pelos caminhos do rock psicodélico, a sonoridade mais moderna da época, e como muitos outros artistas fizeram (Ronnie Von, Gil). Depois do encontro com a música negra, segue o encontro com a psicodelia, a meu ver com resultados menos interessantes, talvez por se afastar muito de uma estética mais "nacional" em que ele fixou sua liguagem. O disco perde tambem em swing, que será recuperado na sequencia. Um album mais convencional, que não se arrisca de fato como exigiria um bom album psicodélico, e que tambem não consegue aquela sonoridade MPB pop presente nos discos de Milton Nascimento. Mas revela o carater inquieto e pouco convencional de Valle.

O disco de 1973, "Previsão do tempo", é uma espécie de continuação desse projeto, agora mais radicalizado porque a roupagem das músicas é em grande medida eletrificada. O grupo de apoio passa a ser o excelente Azymuth. Ainda aparecem canções ligadas mais diretamente à Bossa ("Flamengo até morrer", e mesmo essa já tem um solo de guitarra bem rock e "Samba fatal", que remete diretamente a Chico Buarque, mas que depois irá receber um arranjo mais próximo da estética tropicalista, e "De repente moça flor"), mas o leque de dicções se amplia ainda mais. Aqui ele mantém o esquema banda de rock do disco anterior, mas para tocar black, valsa, swing, salsa... O resultado deixa de ser uma sonoridade a la Simonal, se alinhavando mais diretamente com os representantes da black music nacional, e da MPB rock. Uma sonoridade mais crua, mas ainda com "requinte". O resultado é outro disco extraordinário. A sua qualidade se evidencia na capacidade de algumas canções permanecerem atuais. Um exemplo é o uso que o Planet Hemp fez da música "Mentira", sampleando sua base para gravar "Contexto" Esse é um dos melhores funks já feitos no Brasil, uma canção extraordinária. Seu trabalho aqui apresenta um grau de inquietação similar aos discos de João Donato, experimentando para todos os lados, mas sempre mostrando uma preocupação muito grande com o aspecto ritmico.

Os irmão Valle surgem fazendo canções Bossa Nova porque essa era a linguagem que consideravam mais interessante e moderna na época, e assim ficaram marcados. Mas quando a canção brasileira amplia seus horizontes com a MPB, ele tambem se abrem para o mundo, e compõem suas obras mais criativas, originais e duradouras. Alguns clássicos da MPB que já foram descobertos pelos gringos, e precisam ser redescobertos pelos brasileiros.