terça-feira, 4 de setembro de 2012

OS MEUS DISCOS DE METAL PREDILETOS I (e não algo como os melhores discos de metal da história)

Que tal um passeio pela mente de um assassino em série de crianças? Por sessões de necrofilia, tortura, e satanismo entre leprosos? Ou ainda, deliciar-se com a mente de um mutilado de guerra que tem seus braços e pernas inutilizados, e não consegue pedir para que o matem porque seu rosto foi completamente desfigurado? Com vocês o suavemente agradável reino da verdadeira celebração multicultural: o metal.(agora seguido por comentários de um parceiro que leu o texto, e que já publicou excelentes posts nesse blog, como o sobre a propaganda da Renault e sobre o novo disco da Gal Costa, disponíveis AQUI e AQUI.
METALLICA – MASTER OF PUPPETS (1986)
O paradigma absoluto, que forneceu as coordenadas de como se cantar a insanidade do mundo. Creio que o diferencial do grupo desde o início foi sua – que depois o aproximaram cada vez mais do modelo de canção pop - incrível capacidade de unir canções épicas altamente agressivas, com forte teor de denuncia, a um lirismo que personaliza e singularizava aquela experiência devastadora que está sendo cantada. Suas canções, quando acertam o ponto, são radicalmente poderosas, pois condensam uma multiplicidade de sentidos. Diferentemente do Slayer, que vai se aproximar da morte, loucura e dor como quem olha de fora e aprecia o espetáculo (A causa secreta, de Machado de Assis), o Metallica vai muitas vezes contar a experiência da perspectiva de quem a sofreu, seja alguém que foi completamente mutilado na guerra, seja alguém que narra a partir da cadeira elétrica, etc. Isso insere uma dimensão lírica nas letras que é transposta para a estrutura, no interior da agressividade, sobretudo pelo talento do guitarrista Kirk de transmitir emoções distintas e matizadas em seus solos. O ponto de vista do Metallica é bem mais humanizado que o do Slayer: se Angel of Death fosse composta pelo Metallica, provavelmente a perspectiva escolhida não seria do médico nazista, mas de alguma vítima judia (e provavelmente a canção perderia a força terrível que tem). O solos de guitarra não são nem instrumento de tortura como no Slayer, e nem exibição narcísica como no Megadeth, mas gestos de verdadeira simpatia, um desejo de fazer com que a guitarra expresse a voz daquele sobre quem se canta.
A canção Master of Puppets é absolutamente genial, porque consegue condensar o que de melhor o rock psicodélico e progressivo produziram (com suas variações climáticas que produzem multiplicidade de sentido) com a agressividade hardcore mais estrema. Poucos grupos conseguiram alcançar esse grau de equilíbrio, e por isso o Metallica é um dos mais brilhantes grupos de rock da história.
ONE – clip legendado que revela muito da perspectiva “humanista” da banda.

SLAYER - REIGN IN BLOOD (1986)
Depois desse álbum já apareceu coisa mais suja, rápida, agressiva, satânica. Mas todas soam como repetições. Primeiro como tragédia, depois como farsa, diria algum barbudo. Diferente do Megadeth e mesmo do Metallica, onde os solos aliviam a opressão e abrem espaço para a subjetividade respirar, ou mesmo o Sepultura, que encontra um ponto de referência no protesto, nesse album o massacre e a desilusão são completos. Começando pelo grito inicial – que pensamos ser uma nota da guitarra - o que poderia se lido enquanto símbolo de poder - e logo percebemos que se trata, na verdade, de um grito de desespero que se confunde com a guitarra. Todo o álbum vai ser um desdobramento desse grito inaugural. Os versos são despejados, como se o sujeito fosse morrer assim que acabasse de falar, ou como se a fala fosse a própria antecipação da morte. O narcisismo desaparece: os integrantes do Slayer não estão brincando. O solo aqui não é libertador, é mais um instrumento de tortura no campo de concentração. As letras falam (ou antes, descrevem com altas doses de sadismo) de morte, religião, insanidade, assassinatos, e Auschwitz em 28 minutos de violência extrema. O inferno deixa de ser uma metáfora: “Auschwitz \ o significado da dor \ o jeito que eu quero que você morra”. Esse é o começo do disco, que não alivia em nada depois. Apologia? O grupo mergulha o mais profundamente possível nas regiões mais tenebrosas do mundo, pra vomitar de volta. Mas o sentimento em relação a essas regiões é profundamente ambíguo, misto de fascínio e desilusão. Mas é no mínimo estranho que um grupo com tendências facistas tenha como vocalista um chileno...
Pra sentir o desconforto gerado pelo disco, segue esse clip bem instrutivo e didático feito por um brasileiro.
MEGADETH - RUST IN PEACE (1990)
Um disco que instala-se brilhantemente entre o trash e  o heavy metal. A diferença básica entre os dois estilos está na ênfase dada à individualidade, sobretudo ao Guitar Hero, mas também aos outros elementos, como o baixo ou o vocal altamente estilizado. Por isso é comum o heavy criar personagens e climatizações muitas vezes ridículas (embora o trash também possa adentrar esses extremos caricatos, como o Death Metal e seus temas diabólicos fake), que recriam uma atmosfera de poder (vikings, vampiros, zumbis) que levam a extremos seus mitos, cercando o gênero de uma aura fantasiosa (que nos melhores casos cria uma atmosfera ficcional altamente consistente que produz múltiplos sentidos e escapa do tom de charlatanismo).
O trash surge para corrigir esse apelo “ficcional” do heavy, e recolocar o peso e agressividade em relação ao pesadelo da própria realidade. Ao invés dos solos, a ênfase recai sobre os riffs e a relação de poder estabelecida entre os vários elementos de forma concisa, aproximando-se do hardcore. Dave Mustang tem a forte tendência narcísica de se representar como gênio incompreendido, e isso tende a transparecer nos discos do Megadeth. No caso de Rust in Peace, entretanto, a fórmula funciona, criando um álbum potente e realmente intermediário entre o peso do trash e o narcisismo do heavy. Músicas cuidadosamente trabalhadas e complexas, cheias de solos sensacionais do Friedman, sem abdicar do peso dos temas e riffs pesados, que a maioria das vezes se sobrepõem.

COMENTÁRIOUma distinção entre o Metallica e o Megadeth que vc não pegou seria importante pra reforçar um desdobramento estrutural da virtuose: a capacidade do Mustaine de inventar riffs um pouco mais complexos e cantantes. Isso desligou a banda do speed metal (ficou como vestígio em "High speed dirt" e "The desintegrator") e do metal clássico (não sobrou nada). Isso levou eles numa direção que se transformou num campo inteiro do gênero (o metal melódico e derivados), apoiado por bandas como Halloween, a vertente melódica do roque de guitarrista (Yngwie Malmsteen, Joey Tafola, etc). É por isso que os fãs true começam a torcer o nariz pro Megadeth a partir do "Countdown to extinction". 
Clip Holy Wars legendado:
SEPULTURA – ROOTS (1996)
O grupo de mineiros já havia conseguido, com Arise, o feito extraordinário de emplacar um sucesso mundial a partir da periferia do capitalismo, conquistando um lugar de respeito ao lado de grupos como Slayer e Antrax. De fato, o Sepultura nesse álbum de 1991 se aproxima da virulência apocalíptica do clássico álbum do Slayer postado aqui. Mas a contribuição original do grupo ao cenário mundial irá acontecer quando eles por assim dizer tiveram um choque de encontro com a realidade brasileira, não só com aquilo que eles próprios deixaram de fora de sua obra, mas aquilo que é relegado a segundo plano pela própria cultura oficial do país – cultura essa que era o objeto principal da crítica do grupo, dirigindo-se especialmente contra a religiosidade oficial conservadora e a linha evolutiva da MPB. Podemos arriscar e dizer que Roots é uma retomada ao inverso do projeto Tropicalista, juntamente com uma proposta de engajamento radical (assim como faz, no mesmo ano, o Chico Science e Nação Zumbi). Um encontro com o recalcado na cultura nacional, que deglute a informação estrangeira e a renova na medida em que se recria – estruturalmente, as guitarras deixam de se pautar na velocidade para criar uma pegada “berimbau”, tirando seu peso da reiteração agressiva. Um projeto que, no limite, desloca radicalmente os sentidos do que seja o nacional, o local ou o tradicional, e clama por um reencontro consigo mesmo para além das fronteiras, constituído a partir dos despojos do terceiro mundo.
O Sepultura realiza uma proposta profundamente inovadora e um dos grandes momentos da música brasileira a partir de uma matriz que lhe é “exterior”, problematizando a própria noção de identidade. Nos termos de Idelber Avelar: “a nação inicialmente é vista como território hostil, codificado em formas que, por definição, excluíam o metal. Era, portanto, um território para ser atravessado e transgredido. Graças a reflexão inteligente, o constante aprendizado e o sucesso internacional da banda, ela passa a ver o Brasil por outro ângulo. A nação torna-se uma fonte de linhas de fuga, colaborações e experimentos imprevistos. Ao redefinir as fronteiras do metal, o Sepultura também redefiniu o que se entendia por música brasileira”.
Ao invés do disco de estúdio, posto esse show feito no ano de lançamento do álbum, e que dá uma boa ideia do poder da banda ao vivo, ainda com os irmãos Cavalera.

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