domingo, 5 de outubro de 2008

Roberto Schwarz na FLIP (2007)

Eis aqui o homem - o intelectual de idéia fixa, Roberto Schwarz - na festa que reúne a maior concentração de intelectuais brasileiros e simpatizantes, e que por isso, traz a fina flor do risível e do desprezível intercalado a alguns bons momentos (como este) que não deixam de ser desprezíveis também a seu modo. O epíteto conferido ao homem, no caso, não é depreciativo, porque essa tal idéia é nada menos que a especificidade do modo de produção fora-de-lugar do capitalismo no brasil. E para um bom marxista, a produção é tudo.
E que ninguem venha me falar em reducionismo marxista. Pois se a primeira coisa que o cara coloca em seu trabalho sobre Machado é que as categorias centrais com que o marxismo opera (racionalidade produtiva, relação capital X trabalho, burguesia) não se aplicavam aqui, país colonial e dependente, e que por isso eram inoperantes para se apreender a estrutura machadiana, que atua por outra lógica. Sendo assim como afirmar então quer ele reduz o Machado à mero exemplo das teses de Marx? Será que o barbudão encarnou em algum terreiro que o Roberto frequentava?
E reducionismo sociologizante? Hmmmmm... basta comparar as interpretações finas e o olhar agudo de Roberto com a (boa) leitura de Raymundo Faoro em a pirâmide e o trapézio para se perceber a diferença entre uma crítica sociológica para uma crítica estética, ainda que de viés frankfurtiano, onde o formal ocupa primeiro plano. É por isso, aliás, que a leitura de Roberto se sustenta independentemente da moda literária do momento. É difícil contestar sua leitura, porque ainda não apareceu um leitor tão fino para as minúcia e contradições de Machado. Mesmo aqueles que apresentam novas interpretações (Pasta, Bosi, Helio Guimarães) antes complementam do que negam Roberto.
Mas uma coisa é certa: para o rei Roberto a função principal do literário (e da arte no geral) é tratar do mundo, formalizando determinados aspectos em forma estética, que os torna visíveis. E a boa arte o faz criticamente, ou ao menos de forma a expor as contradições sem maquiamento ideológico. A arte não escapa ao mundo, e nisso consiste seu valor. No que eu concordo plenamente... nada mais prejudicial à arte que a idéia de transcender e suplantar o mundo. A arte que nega sua inevitável relação com a história, ainda que negativamente, não serve de nada. Ou antes, serve, mas a quem?
Daí segue a tese mais radical já feita por um crítico cultural ou um intelectual brasileiro de modo geral, e que segue difuso nos trabalhos do judeu preto: a da insuficiência formal da literatura no país, revelada mesmo em seus melhores momentos. Uma incapacidade estrutural de dar forma a uma realidade caracterizada pela incapacidade de simbolização. Em outras palavras, as condições precárias para o desenvolimento da cultura dita erudita no país fazem com que esta seja estruturalmente frágil, confinada a um contexto parcial sem possibilidade de universalização. A alta cultura jamais será para todos (a não ser as que se constituem via cultura de massas, mas aí já não é mais "alta cultura" no sentido clássico, cujas formas tendem ao enfraquecimento e posterior desaparecimento, como acontece com todos os tipos de arte) ou includente. Como bem mostra Machado em seus romances sem escravos - a mais importante "classe" existente na sociedade brasileira oitocentista - o papel do literário (que se confunde com o papel histórico das elites nacionais, com seu papel formador) é excluir o pobre, a mulher, o preto, o índio, etc... Mesmo seus melhores momentos se constituem a partir dessa exclusão, conseguindo no máximo mostrar esse limite (essa fratura da totalidade) seja pela mímese crítica (Machado), seja pela transfiguração utópica (Guimarães). As condições de vida no Brasil são também limitação estética. O que não implica que aqui não se possa fazer literatura de qualidade, e altíssima - Machado é maior que quase todo realismo europeu, por exemplo - e sim que essa grande arte vai sempre se constituir a partir da exclusão, sem perspectiva de inclusão. A cultura não salvará os pobres da miséria, e a arte não é caminho para uma ordem social mais justa... ao contrário, se alimenta da injustiça, que é tambem o seu limite, pois inviabiliza uma obra organicamente íntegra.
Tais conclusões radicais de Roberto - o que mais incomoda em seu pensamento - servem de ponto de partida para se pensar (o movimento Chic pop está aí pra isso) a música popular, assim como os outros tipos de arte surgidas já no seio da chamada Industria Cultural, e em função desta, porque ela consegue superar os limites da representação literária, acabando em certo sentido por ocupar seu lugar como instrumento estético privilegiado de conhecimento e representação. Aí sim, o pavor dos marxistas, porque a canção supera a limitação estética sem superar as contradições históricas. Em termos fenomenológicos, porque o sujeito fraturado nacional que não cabe na representação literária a não ser negativamente (como o fez toda a arte moderna) é o ponto de partida da canção moderna (surgida da tensão canto x fala). Em termos concretos: pobre faz música, mas não escreve poesia. Em uma sociedade fraturada, em que a subjetiidade burguesa não se totaliza, o problema atinge todas as esferas da vida e se torna questão central, não apenas esteticamente.
EIS O VÍDEO:

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