quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O desgosto que tua mãe me deu.

Essa postagem foi diretamente extraída do blog do Falcão, o guru aqui do Escapar Fedendo. Trata-se da micronovela mais non-sense já realizada em solo tupiniquim - O desgosto que tua mãe me deu. Vale a pena conferir.





Montado no estapafúrdio sucesso da trama neotropicalista "O desgosto que sua mãe me deu", e devido a pedidos suplicativos de mais de uma pessoa, resolvi comovido, publicar neste lugar bloguístico todos os capítulos da história até aqui contada. Outrossim aviso, que é preciso muita perspicácia, abnegação e descaração por parte do leitor, para o compreendimento total da coisa, mas que no frigir dos ovos todo mundo sai perdendo.

Outra coisa: O vídeo aí em cima, como sua pessoa deve ter visto, é a materialização videografista do 14º capítulo, postada no Iutúbi pelo André Pinheiro, que num esforço de produção conseguiu obrar o dito cujo.

Capítulo 01: Cleusa briga com Rui jr. porque ele meteu o dedo no cu do cachorro. Jô diz a Luis que ama seu pai.

Capítulo 02: Agamenon reclama de dores na panturrilha e Fideralina lhe massageia a área genésico/escrotal esquerda.

Capítulo 03: Raimunda ver o Pe. Dedé com uma revista de mulher nua na sacristia. Leo mostra a Júlia uma verruga no pau da venta.

Capítulo 04: Jojó ordena a Hermenegildo que ele tire a roupa. Mara diz que vai vender seu voto e Creusa fica indignada com o preço.

Capítulo 05: Eliude encontra Geralda morta, na edícula, nua e com uma bandeira do Corinthians enfiada no fiofó. Mané rir e desmaia.

Capítulo 06: Padilha troca o curativo da hemorróida de Licurgo. Mirandolina confessa a Jaime sua tara por pirulitos.

Capítulo 07: Osmilton acaba de comer Jarina e tem uma crise de riso. Dr. Menelau aplica-lhe 500mg de Ampicilipicanal. Mel sai do banho.

Capítulo 08: Castor diz a Robnel saber quem matou Geralda, mas só conta em troca de uma lata de leite Ninho cheia de maconha.

Capítulo 09: Ugo pega Marivaldo fazendo bilu-bilu nas partes íntimas ao brechar Edcleide no banho. Sandy ganha um vibrador sextavado.

Capítulo 10: Dr. Lulu fala a Alfeu que seu caso é de afrouxamento esfinctal adquirido. Ted liga pra funerária e alguém diz alô.

Capítulo 11: Rui Jr. prende os testículos do gato na dobradiça da porta. Apolinária recebe o resultado do exame de fezes e tenta o suicídio.

Capítulo 12: Orestes diz nem ligar pra morte de Geralda, lembra de um fio-terra que ela lhe aplicou a contragosto. Clóvis toma o antibiótico.

Capítulo 13: Eunápia surpreende Militão mijando na pia. Facundo reclama da depilação de Cosma. Celeste e Fúlvio brigam por causa de uma broa.

Capítulo 14: Raimunda encontra Atanásio dentro do WC masc. da rodoviária. Grijalva aproveita-se do decúbito dorsal de Liduina. Ernest boceja.

Capítulo 15: Licurgo estupefata-se com os dotes linguo-bucais de Belarmina. Acrísio beija o anel de Genival no adro. Argeu liga o motor-bomba.

Capítulo 16: Valda estranha Licurgo passar em sua rua, de fraque&cartola, em cima de uma carr oça com 35 raparigas. Pablo arrota na ante-sala.

Capítulo 17: Petrônio se revolta com uma tatuagem que Mirandolina fez na pelvis. Damásio confessa sofrer de um desvio objetal na libido. Chove.

Capítulo 18: Cleusa jura ter visto Geralda chupando uma manga. Áurea convida Alfeu pra espremer um furrúnculo na virilha de Judete. Passa o trem.

Capítulo 19: Clodoaldo leva um pé-de-cabra para Edcleide. Pe. Dedé encontra dez carrapatos na anágua de Cosma. Chico e Anália fazem um 69 em pé.

Capítulo 20: Osterno engancha o saco na porta do box. Dr. Ary encontra um caroço de jaca no peritônio de Geralda. O elevador para no térreo.

Capítulo 21: Joelma põe a cueca de Ralf no varal, passa uma vaca e come. Rui Jr. tenta botar o papagaio dentro do microondas. Sonja ri e baba.

Capítulo 22: Dogival se emociona ao ver o nome de sua mulher Hermenegilda, tatuado na genitália de Terêncio. Jarina muda o botijão de gás.

Capítulo 23: Clésio vê Rolfo com um bustiê que foi de Geralda. Adam sodomiza Jussara em cima da sinuca. Janiê sobe a escada e chega lá em cima.

Capítulo 24: Tancredo engole a dentadura comendo banana. Agatônio amputa o pênis jogando pebolim. Púlio pega Nairan bulindo nas partes de Zefa.

Capítulo 25: Valdirene diz a avó que fez um serviço de língua em sandoval. Cloró presenteia a mãe de Ted com uma jaula.Gengis diz: Arre égua!

Capítulo 26: Emengarda oscula o noivo de uma prima de uma vizinha de chiquinho Escarpa, atrás do muro da cadeia. Linaura cospe no caramanchão.

Capítulo 27: Cosma confidencia ao trocador que vai ceder à proposta proctomasoquista de Licurgo. Plínio contrai gonorréia na missa de 7º dia.

Capítulo 28: Procópio se opera da fimose. Ariosto sobe num coqueiro pra comer um sushi. Adão descobre que Valda usa um pivô. Corre um boato.

Capítulo 29: Lucrécia masca um supositório pensando ser chiclete. Vanja sobe num pau-de-sebo. Dr. Oriel esquece um guarda-chuva dentro de Jô.

Capítulo 30: Hermínio se assusta ao acordar e ver Eraldo segurando seu bilau. Jarina diz que não aguenta a inhaca de Aderaldo. Peidam no culto.

Capítulo 31: Olga chama uma ambulância, vem um trator. Oriel vê Josué e Clóvis fazendo um troca-troca no puff. Dedé foge do canil. Cosma cospe.

Capítulo 32: Creuza diz a Rovan que está com um formigamento vulvar. Nalda percebe uma protuberância em Aprígio. Alf se molha ao tomar banho.

Capítulo 33: Querubina pede a Che que encha o pote. O delegado solta Licurgo quando ele diz ser filho de Bento XVI. Íria engole. Vem Chuva.

Capítulo 34: Plinio bebe 1litro de oleo de freio e corre, nu, atras da Madre superiora. Marineusa chama o pastor Gotardo de "feladaputa". Bebem.

Capítulo 35:Berlamina urina na piscina, Natanael acha legal e defeca. Couto diz a Franchá que acha que trincou a base dos testículos. Hebe chora

Capítulo 36: Aprígio revela a Jarina sua vontade de por Eike Batista como dependente, no IR. Matias convida Petrônio para um banho de assento.

Capítulo 37: Sonja faz um bolo e chama Juciê pra bater os ovos. Jussara conta a Valda que ficou com uma ferida no mocotó, de tanto fazer sexo.

Capítulo 38: Lupércia não consegue convencer Oriel a comprarem um emo na feira. Zefa aprende a babar pra cima. Galeano envia o material. Sim?

Algumas estatísticas do blog


Em abril o blog faz aniversário de 5 anos de existência! É muito tempo. E tem uma galera que acompanha constantemente, lendo, fazendo comentários, mandando textos, baixando discos. Como curiosidade, vale a pena conferir algumas estatísticas

26.400 acessos! Sendo:

Brasil 19.511
Estados Unidos 2.739
Polônia 871
Portugal 483
Ucrânia 449
Holanda 183
França 129
Argentina 105
Rússia 102
Japão 91

O terceiro lugar com a Polônia me surpreendeu muito.

177 posts

Os posts com o maior número de acessos foram, respectivamente:
(para acessar basta clicar no título)

Download para o fenomenal disco do Di Melo, hoje em dia já bem difundido nas baladas black de São Paulo:

Análise semiótica da música Segura o Tchan. O que me deixa feliz, por se tratar de um post cuja ênfase principal não é download, mas o compartilhamento de uma análise, o que revela que os blogs são também um espaço de compartilhamento de ideias - além de um mecanismo de inclusão cultural.

Texto de homenagem ao Michael Jackson, quando de sua morte, com discografia completa.

Outro texto mais analítico, que se propõe a compreender o insucesso comercial de Ed Motta, que faz música pop de qualidade, para além de questões como o suposto mal gosto do público e outros reducionismos. Busco pensar o próprio método de composição do compositor.

Sobre os projetos solos dos Hermanos, com discos para download. Texto de um parceiro, linguista de primeira linha. Os textos sobre o Los Hermanos acabam se tornando um grande sucesso aqui no blog.

Post incrível, extraído do blog Coisa da Antiga, com a maior parte dos sambas gravados de Wilson Batista. Fina flor!

Post de outro camarada, futuro mestre, que também me deixa muito feliz, por ser análise ideológica "pesada" e de sucesso.

Texto excelente de um amigo orientando do filósofo Paulo Arantes, sobre a crise da Universidade de São Paulo. Com grande conhecimento de causa.

Texto meu inspirado na análise da propaganda do Renault, sobre o estado de espírito pós-moderno. É interessante ler como contraponto, para ver como um mesmo espírito de época pode gerar disposições estéticas bem diferentes.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Concurso de dança do Thom Yorke

Mal o clip com a dança estranha do Thom Yorke saiu para anunciar o tão aguardado novo cd do Radiohead, já os internautas aproveitaram para criar várias versões com diferentes canções. Segue algumas das que ficaram muito boas:

Thom Yorke é Globeleza



Thom Yorke Exu Caveirinha



Thom Yorke funk version



Thom Yorke no Hawai



Thom Yorke romântico



Thom Yorke na pista



Thom Yorke versão cinema mudo (muito boa)



Thom Yorke Beyonce



Todos os vídeos foram retirados do site Dance Dance Thom

E finalmente, Download para o disco novo do Radiohead, The King of limbs:


terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Da inutilidade da crítica na canção popular.


Pelo título parece se tratar de um daqueles textos que gostam de fazer fama criando polêmica, falando mal de alguma coisa enquanto na maioria das vezes está praticando uma variação do mesmo. Pois bem, na verdade, se trata de um pouco disso mesmo, com a ressalva de que a ideia de “fama” aqui deve vir cercada por várias aspas.

Para esclarecer e matizar o tom polêmico do título, logo de cara quero dizer que não se trata de uma inutilidade crítica completa, mas uma inutilidade relativa. Relativa a outro espaço distinto da canção popular, a literatura, em que a prática da crítica faz mais sentido, o que não é nada lisonjeador, nem para a crítica, nem para o literário. Relativa também porque estamos nos referindo a uma determinada função da crítica, que iremos definir logo mais: em outros sentidos, a crítica da canção possui grande influência, o que também não consiste propriamente um elogio. Não coloco o “relativa” no título por uma questão de impacto.

No que consiste então a maior propriedade da função crítica e do papel social do crítico em relação ao literário, e porque a crítica de canção é sentida como imprópria? Para pensar o sentido da crítica literária, devemos antes considerar o estatuto do literário no Brasil, retomando o debate sobre o descompasso da forma literária periférica, tal como proposto por Roberto Schwarz e Antonio Pasta Jr.. Em linhas gerais, a matriz problemática da nossa literatura é que a condição material subjacente ao desenvolvimento da autonomia estética é a existência de uma subjetividade autônoma, que dá forma e se forma a partir de um projeto de racionalidade social- Max Weber, via Lukács. Trata-se, portanto, de uma forma moderna por excelência. Pois bem, no Brasil, as relações sociais regidas pelo princípio da cordialidade encontram-se em um patamar ao mesmo tempo moderno e arcaico, cuja característica central consiste no embaralhamento das noções de público e privado, sujeito e objeto, ordem e desordem, etc. Em última instância, tal regime de indiferenciação coíbe a formação de uma subjetividade reflexiva, posto que o outro não se configura enquanto limite objetivo para o sujeito, mas é justamente aquilo que, numa perspectiva antropofágica, deve ser devorado pela consciência daquele que pode mais. A subjetividade se constitui na negação da alteridade, em que o sujeito não se confronta com outras subjetividades (na categoria de cidadãos), mas com uma coleção infinita de objetos à sua disposição. Não formando-se uma subjetividade reflexiva moderna, não é possível desenvolver tranquilamente uma forma estética baseada em princípios modernos. O mote filosófico do humanitismo, forjado por Quincas Borba - ao vencedor as batatas - é a formulação “conceitual” mais precisa dessa estrutura.

Essa esfera inter-subjetiva, quando alçada à dimensão política de formação do país, assume feição ainda mais perversa, posto que a própria ideia de nação toma forma negativamente, a partir do mesmo princípio de exclusão da alteridade, naquilo que Schwarz identificou como o esquema do nacional por subtração. Um tipo de formação social em que as instituições funcionam verticalmente, alçando alguns privilegiados à categoria de cidadãos, enquanto a maioria absoluta é excluída do Estado, numa distensão moderna do sistema escravocrata. O crítico desenvolveu esse conceito como uma espécie de complemento a outro de fundamental importância no debate intelectual brasileiro, as idéias fora de lugar – sistema de importações e deslocamentos das idéias, próprio aos países periféricos - para dar conta do movimento que faz com que a impropriedade das formas importadas seja re-configurada no interior do sistema local. Basicamente, é por esse deslocamento em relação à matéria histórica nacional que as instituições importadas – entre elas a literatura - são apropriadas enquanto instrumento de dominação. O que seria um problema – o divórcio da forma importada com a realidade local – acaba servindo aos propósitos de segregação das elites, encontrando funcionalidade própria. E assim, a impropriedade se faz norma.

É nesse contexto, pois, em que a matéria histórica se divorcia da forma estética, que é possível entender a relevância do papel do crítico literário no interior do sistema da alta cultura. Esse divórcio – uma variação da separação de Estado e sociedade, o povo e as instituições – cuja expressão mais evidente no caso da literatura é o fato de constituirmos uma nação de analfabetos, torna fundamental a existência de um elemento de mediação entre a população e a instituição literária, alguém que explique e torne claros os mecanismos de funcionamento da forma, para que seja possível uma melhor apreciação. O acesso ao plano literário, próprio das elites, só acontece pela mediação direta das elites, pela cordialidade. Pois a matéria nacional só é incorporada pelo romance negativamente, tornando fundamental a necessidade de um intérprete, de um tradutor. É sempre possível criar uma boa literatura de massas que dispense essa mediação (Jorge Amado, Paulo Coelho, Monteiro Lobato), mas o acesso a outros grandes nomes (Machado, Drummond, Guimarães) exige a intervenção crítica, para possibilitar o mínimo de acesso àquela linguagem – sem excluir os casos em que a apreciação se dá diretamente, que existem, mas estão longe de constituir a regra. A crítica reproduz assim os mecanismos do favor – o nome para o sistema de acomodação e gerenciamento do nosso descompasso – ao servir de mediação entre o literário (que no nosso contexto é incapaz de alcançar a totalidade) e a realidade, funcionando ela também como mecanismo de adequação\dominação. É nesse sentido que dissemos que a critica literária nacional é uma necessidade e um privilégio, perverso e obsceno.

Nossa hipótese é de que a canção ocupa um patamar diferenciado em relação à literatura (e outras formas) justamente porque seu princípio de constituição não se sustenta na noção de autonomia. A formação da canção no Brasil deu-se em direção a um princípio heterônomo de constituição, ou seja, uma forma “aberta” em que os elementos externos participam ativamente de seu princípio constitutivo, não sendo possível a delimitação das características de um dado gênero exclusivamente a partir dos seus elementos estruturais internos. As consequências desse tipo de percepção sobre a canção são inúmeras, sendo talvez a principal delas a necessidade de se estabelecer critérios de valoração estética distintos daqueles usados para se tratar dos objetos autônomos, como a literatura e a música – o que obriga a pensar um instrumental analítico que conjugue as duas instâncias centrais da canção, letra e música. Isso porque os pressupostos formais heterônomos são radicalmente outros.

Quatro aspectos estreitamente relacionados entre si são decisivos para se compreender a especificidade formal da canção brasileira. Em primeiro lugar, seguindo uma sacada genial de Luis Tatit, o desenvolvimento de uma linguagem baseada no princípio de estabilização do modo de dizer do português brasileiro em uma forma estética que não perde de vista seu lastro entoativo, ou seja, a fala. Uma melodia que não se realiza completamente enquanto tal, não deixa que a voz se torne apenas instrumento, localizando-se a meio caminho entre as dimensões prática e artística da linguagem. O amplo alcance e produtividade da canção no país explica-se especialmente por essa capacidade de confundir-se com a própria língua, integrando nossos mecanismos psíquicos mais profundos, essencialmente constituídos pela linguagem. O que nos leva ao segundo aspecto, a não-institucionalização do saber necessário para o domínio dos procedimentos destinados a confecção da canção, responsável por seu alto grau de penetração e organicidade em um país marcado pelo afastamento profundo da sociedade do campo dos saberes formais, espaço de demarcação de privilégios. É preciso considerar ainda o grau de desenvolvimento dos meios de produção da sociedade e o desenvolvimento da indústria fonográfica, responsável pela possibilidade de gravação do registro oral diretamente, sem a necessidade de formas de mediação escritas. Por fim, o quarto aspecto consiste na base rítmica percussiva da canção, que sustenta sua estrutura e coloca no centro de seus aspectos mais gerais (harmonia, arranjos) uma abertura para a corporeidade, para a concretude.

A consequência imediata de todo esse processo é o desenvolvimento de uma forma em que todos (mas não somente) os que dominam a linguagem brasileira – basicamente, todos os que aqui nasceram, ou viveram por muitos anos – estão aptos a dominar os segredos de confecção da canção, senão como produtores, ao menos como ouvintes críticos. Não é necessária – daí sua inutilidade – a figura do crítico como elemento de mediação entre forma e matéria. Com exceção de alguns casos (em geral, que tentam uma linguagem mais experimental, como Tom Zé, ou que sofrem boicote no interior do sistema) o grande público reconhece – embora nem sempre haja consenso – quais são os grandes cancionistas do país. Inclusive com nuances valorativos: existem os que são bons que não são ouvidos, os que são bons e não são ouvidos e os que não são tão bons assim, mas são ouvidos do mesmo jeito. As massas, definidas como um conjunto amorfo e ignorante pela crítica, reconheceram em vida o talento de Noel Rosa, Carmem Miranda, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano e Gil, Racionais, Roberto Carlos, Pixinguinha, Elis, Djavan, Tim Maia, Cazuza, Lulu Santos. Não há separação radical entre os critérios de produção e os mecanismos de recepção no caso da canção, criando-se uma linguagem em que todos tem condições de participar.


Gosto de citar como exemplo o caso da minha mãe. Todo carnaval ela compra o cd (antigamente comprava o vinil) da liga das escolas de samba do rio. Todo carnaval ela decora a maioria dos sambas, pra poder acompanhar pela TV. Após duas ou três audições, já consegue definir qual o melhor samba, qual é bom mas não vai funcionar na Sapucaí, qual é ruim mais serve, etc. No geral acerta. Para eu conseguir chegar, com toda minha formação voltada para música e para literatura, a uma opinião mais ou menos estruturada como a dela, preciso de dez vezes mais tempo e contato com os sambas. A elite – seus critérios de valor – não comporta o samba enredo. Não entende. Quando tenta fazer, no geral é um fiasco – Vai Passar é o melhor exemplo – como samba enredo. A salvação está em ter coragem de assumir essa ignorância e ir conversar com a minha mãe. A solução ideal seria tornar minha mãe crítica, mas aí o buraco é mais embaixo. Ou seja, é preciso reconhecer em si mesmo aquilo que a crítica (nesse caso também os educadores) sempre cobra dos outros: não gostou de Drummond é porque não entendeu. Claro que essa afirmação tem um lado de violência impositiva, de inversão ideológica – o mecanismo de produção do não entendimento é transferido da esfera social para a culpabilidade do sujeito – mas não deixa de apontar para a verdade do sintoma. O que se passa no campo da apreciação da canção é basicamente o mesmo, só que diante de um objeto estético a princípio incompreensível a resposta dada é: não gostei porque é ruim – tudo bem que no caso do Drummond também, mas aí entra a questão de quem pode impor o seu ponto de vista como verdade. É vital que se reconheça a própria ignorância nesse caso (o que é claro não exclui a possibilidade da resposta entendi mas ainda assim não gostei), especialmente antes de se lançar afirmações genéricas, do tipo que condena todo um gênero, como “pagode e axé são uma porcaria”, “funk carioca é uma droga”. Os tambores do Olodum e a dupla Cidinho e Doca estão aí para provar o contrário. Não existe um gênero que seja em si limitador ou estruturalmente castrador. Mesmo o haicai, com todas suas regras de composição e limites, produz peças grandiosas.

A função, pois, que a crítica assume nesse caso é assumidamente mercadológica, consistindo basicamente em definir qual prateleira o artista em questão deve ocupar nas lojas (ou nas barraquinhas de camelôs), e ao lado de quais outros artistas ele deve aparecer na programação do rádio. Acreditamos que é possível outra atitude, desde que se rompa com círculo elitista que é a condição da crítica ainda hoje – aos poucos vem mudando – e esta passe humildemente a aprender com os mecanismos de recepção das “massas”. Aliás, humildade, atitude e respeito é a grande lição da periferia para o resto do mundo. O primeiro passo, logicamente, consiste em eliminar a generalidade entorpecente que ronda o conceito de “massas”, que em muitos casos é utilizado como sinônimo de pobre ignorante. É preciso ter humildade suficiente pra reconhecer a lição que os Racionais nos ensina a cada disco: os manos têm muito para ensinar, quem tem ouvido é pra escutar.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Tom Jobim, o new sertanejo e a nova MPB.

Quem chamou a atenção para essas interpretações e seus sentidos foi o Breno. A ideia desse texto é integralmente dele. Só os equívocos de interpretação são meus.

Uma mesma canção pode adquirir sentidos os mais diversos dependendo de cada interpretação. As possibilidades de variação são infinitas, desde que respeitados os sentidos contidos no interior da forma. O equívoco mais comum de interpretação de um\a cantor\a é exatamente o mesmo que ocorre na interpretação de uma obra estética: a não compreensão daquilo que a obra diz conduz a uma apresentação equivocada de resultados. Não é raro um intérprete usar a obra como pretexto para apresentar a si próprio, assim como um crítico utiliza o objeto artístico como pretexto pra desfilar suas habilidades.

Vamos acompanhar a canção Correnteza, de Tom Jobim e Luiz Bonfá, em três interpretações bem distintas, e o sentido que cada um os intérpretes atribuiu a obra. Primeiro o original:



SENTIDO ÉPICO: Na versão de Tom Jobim a canção se compõe de blocos bem marcados, com uma clara ênfase no sentido musical da composição. Cada passagem e cada modulação apresenta uma mudança de sentido enfatizada: a introdução, a primeira parte, o intermezzo e o final. O andamento acelerado desloca a ênfase da canção para as passagens conjuntivas (em semiótica, temáticas), que na letra estão representadas pelo ciclo contínuo e perfeito da natureza - por isso não prejudica excessivamente a interpretação o fato de Jobim não ser um grande cantor, se o sentido principal estivesse contido na separação do sujeito com o objeto, haveria maior prejuízo. Como em Águas de Março a canção transmite a sensação de fluxo - só que aqui com teor mais positivo porque há um retorno do objeto que o sujeito busca - de um caminho constante e certo, com modulações e passagens, mas sempre contínuo. A transição do intermezzo (E choveu uma semana) é bem demarcada, como o momento em que o sujeito e a natureza formam mais claramente uma oposição. Tal ruptura serve para reforçar a força do momento seguinte, quando a correnteza do rio traz de volta o amor. A canção procura acompanhar as mudanças de sentido da história com um olhar mais distanciado, daí o sentido épico tão ao gosto de Jobim, na esteira de Dorival Caymmi. Das três, é a mais ousada e complexa em seus movimentos.

Pontos fortes: ousadia, complexidade, extrema habilidade na modulação de sentidos.
Pontos fracos: interpretação de Jobim, que pode fazer com que o comprometimento com a disjunção do sujeito não convença. Sentido épico também reforça a questão.

A interpretação seguinte infelizmente não tem vídeo, mas segue o link para o áudio:




Só pra dar um gostinho, segue link deles cantando outra coisa no Raul Gil:



SENTIDO LÍRICO: Mayk e Lyan é uma dupla de garotos de dezesseis anos descobertos no programa de calouros do Raul Gil. Fãs de Zé Ramalho, a primeira voz é poderosa e não lembra em nada a de um garoto. Os arranjos são típicos do sertanejo pop pós C&X. A versão é linda, mais emocionante (ou antes, emocionalmente comprometida) que a original, por conta do investimento da interpretação não na natureza, mas no estado passional do sujeito distante de seu objeto. O andamento desacelerado marca a mudança de sentido. O ponto de vista da canção no caso está colado no sujeito, diferente da versão de Jobim, que narra a correnteza da vida. O tema deixa de ser "Correnteza" e passa a ser "Longe do meu amor". Aqui, é fundamental que os intépretes cantem bem - e os meninos tem uma voz abençoada - para que não se rompa o contrato de autenticidade. É a versão mais convincente, nesse sentido de ter um eu que sustenta a estrutura passional. Ao mesmo tempo, algo do traço da natureza é mantido pelo sabor regional que tem o arranjo pop, especialmente pela ênfase na viola. O curioso é que esse acerto é uma opção marcadamente mercadológica, com vistas a aproveitar o sucesso dos dois no programa Raul Gil.

Pontos fortes: interpretação, maior organicidade ao se concentrar no sujeito, cujo resultado é um maior convencimento.
Pontos fracos: atonização do traço épico (natureza) por roupagem pop confere certo grau de montagem fake para esse sentido.

Por último, a última gravação, de uma representante da nova MPB, Ticiana:



SENTIDO NARCISISTA: Aqui ela procura reproduzir o sentido proposto por Tom Jobim - só que sem os músicos de grande qualidade - ao mesmo tempo em que procura dar destaque a sua própria interpretação e voz adocicada. A indecisão entre os sentidos épico e lírico da canção gera o descompasso da interpretação. Mesma coisa para os agudos e torneios vocálicos descontextualizados. A interpretação sem grande variação padroniza todas as modulações de sentido possíveis. A canção fica em segundo plano em nome da simpatia agradável de barzinho adotada pela intérprete.

Pontos fracos: Toda a versão.
Pontos fortes: é a menos conhecida das versões. Simpatia da moça.