Na moral, cansei da galera metendo o pau no Teló e "justificando" seu próprio preconceito pela suposta falta de "qualidade" da letra. O sucesso do cara é interessantíssimo, prova de que muita coisa mudou no cenário musical. Estourar assim sem planejamento, sem estratégias de marketing para lançar no exterior, por vias indiretas e não calculadas, cantando em português uma música pop mas totalmente abrasileirada, é no mínimo uma coisa pra se pensar – qual a dinâmica da indústria fonográfica hoje? Agora tem que esperar pra ver se "ai se te pego" é uma nova Macarena, ou é um novo Khaled (lembra dele). Relacionar sucesso com qualidade é muito "ingênuo", e geralmente usado para sustentar os próprios preconceitos estéticos.
Agora voltando a questão da letra. A qualidade de uma canção não se mede pela qualidade de sua letra. Não estamos falando de poesia. A qualidade de uma letra está em sua relação com todos os demais componentes de uma canção, harmonia, melodia, enunciação, performance, ritmo. Aquilo que se diz se subordina ao modo de dizer. Sinceramente, quer dizer que o James Brown, um dos maiores gênios da música mundial, é uma porcaria porque tem letras do tipo "Hot Pants", ou "Sex Machine"? Quer dizer que Bob Dylan é muito mais incrível que os Beatles porque tem letras melhores? Quer dizer que a cancion latino americana ou o rap é mil vezes melhor que o samba pelo teor mais denso dos conteúdos de suas letras? Quer dizer realmente que nós conhecemos todas as letras das canções americanas que gostamos? Quer dizer que voce realmente acredita que a qualidade da letra em português influenciaria mais ou menos o sucesso de Teló na rússia, em Israel ou na Alemanha?
Existem letras mais densas, em que a palavra torce seu significado imediato para ampliar seus sentidos. Caetano, Chico e outros compõem nesse estilo. Alguns jongos e sambas mais cifrados também. E existem obras primas nesse modelo, tipo Pedaço de mim, Tropicália.
Existem letras mais diretas, em que a palavra busca comunicar imediatamente, sem grandes floreios. A palavra quer dar um recado. Existem obras primas nesse modelo "simples" e direto: Chega de Saudade, Conversa de Botequim, Detalhes, Diário de um detento.
Existem letras que retorcem seu significado não em nome da própria palavra, mas em nome do corpo. Comunicam mais o desejo de dançar que seu próprio sentido. Existem obras primas nesse modelo, como várias do Jorge Ben, alguns sambas e marchinhas, Tim Maia, pra ficar no óbvio e não polemizar.
Não é a escolha do modelo a priori que determina a qualidade da canção. As que sofrem mais preconceito - aqui onde seguimos um modelo racionalista eurocentrico e temos aversão a ameaçadora presença cortidiana do passado escravista - são as do terceiro tipo, que apelam antes para o corpo. Mas não é porque o refrão é Taj Mahal \ Taj Mah \ Te te te re te te ou Ala la oooo \ Mas que calo ooo ooo, que a música é uma porcaria. Pelo contrário, é nessa economia de meios expressivos em nome de uma expressividade de outro tipo que pode estar sua genialidade.
E não estou dizendo que o Michel Teló fez algo genial. Estou dizendo que as críticas são mais baseadas em preconceitos, espírito de porco e zé povinhes do que em preocupações estéticas ou patrióticas de qualquer tipo. Acredito que o sucesso de Teló tem algo pra dizer, para além de juízos estéticos formados a partir de outros parâmetros que servem para deslegitimar ele enquanto fenômeno, e não ajudam a entender o que acontece hoje. Eu não acho que ele é bom, mas acho que deslegitimar pura e simplesmente é um gesto muito mais conservador, que quer manter os lugares bem demarcados como estão, o Olimpo já consagrado e intocável. As perguntas que fazemos às canções podem ser mais reveladoras do que elas próprias.
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