Clementina de Jesus cantando Yaô, de Pixinguinha, no programa Brasil Especial, em 1976:
Reginaldo Rossi traduzindo e cantando "I will survive", no Largo do Arouche, 2009
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quinta-feira, 21 de maio de 2009
O processo de formação da minha escuta musical (I de II)
Manifesto biográfico em favor der uma escuta sem preconceitos
As palavras grifadas são links para textos, discos e vídeos.

Balada forte, pagode, quatro e tantas da madruga. Uma amiga questiona:
_ Voce diz que gosta do brega só pra causar. É impossível voce realmente gostar de Roberto Carlos e Coltrane. Ou então sua escuta é completamente esquizofrênica.
Na hora me defendi como pude, mas aquilo me ficou martelando na cabeça por um tempo. Aliás, não é a primeira vez que ouço coisas do tipo, que sou um cara inteligente com gosto musical duvidoso. Com isso, aliás, eu concordo. E como eu sempre parto do princípio de que toda afirmação, por mais falsa que possa parecer, contêm seu momento de verdade, duas questões acabaram tomando forma: uma voltada pra mim, e outra pra quem perguntava. Como se formou esse meu gosto esquizofrênico, ou seja, quais os caminhos eu percorri até chegar a minha percepção atual, e de que perspectiva ela pode ser considerado esquizofrênica, ou seja, a partir de que lugar essa minha amiga me questionava? Foi então que eu comecei um delicioso exercício de memória para tentar recuperar o processo de formação de minha escuta musical e esboçar uma resposta.
Cresci no interior de São Paulo e, como todo mundo, ia ouvindo basicamente aquilo que minha mãe ouvia. E como boa carioca, o que ela mais escutava em casa era samba enredo (na proximidade do carnaval o disco das escolas de samba era onipresente), e aqueles grupos e cantores de pagode dos anos 80, como Reinaldo, Royce do Cavaco, Marquinhos Satã, Jovelina Pérola Negra e, principalmente, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho, Beth Carvalho e Fundo de Quintal. Além disso, toda cidade possui sua trilha sonora específica, e Marília respirava os mais variados tipos de música sertaneja, desde as mais tradicionais até as inúmeras variações de duplas. Mas esse tipo de som nunca foi consumido em nossa casa, apesar de influir em meu gosto futuro.
O pessoal lá de casa sempre teve um gosto musical eclético, e minha mãe ouvia também, ainda que menos constantemente, uns lps do Chico Buarque comprados na época de seu lançamento. Lembro que gostava muito do LP da samambaia, e também que não era conflito algum gostar de Chico na mesma proporção que do Emílio Santiago. Outro dado importante é que eu fazia um curso de piano no conservatório local, e por isso parte de meu repertório incluía autores clássicos, com quem tinha uma relação de amor e ódio, por ser obrigado a saber tocar aqueles temas complicados. Com isso ia aprendendo a ouvir autores cujo universo no geral escapa ao brasileiro, e formando meu próprio cânone, que incluía Beethoven e Mozart, este muito por causa do filmaço Amadeus. Mas nunca considerei (como acontecia com muitos dos meus colegas de conservatório) essa música como o que há de melhor e mais elevado em termos de arte. Achava bonito e tal, mas nunca foi para mim a música por excelência.
Nessa época eu não definia um estilo predileto, ou mais interessante. Eu gostava de música, qualquer uma, desde que me agradasse. O interessante de se observar é que tal disposição auditiva para o ecletismo não era uma exceção minha ou de minha família. Seja porque o mercado é bastante heterogêneo em sua rigidez, seja por qualquer outra razão, o fato é que boa parte das pessoas tem uma propensão à heterogeneidade musical. É claro, formam-se os grupos e os gostos, e as preferências vão se fixando, mas mesmo nos casos das tribos existem aquelas mais fechadas e as mais abertas. Por exemplo, os metaleiros são muito mais intransigentes com outros estilos musicais do que os pagodeiros. De qualquer modo, é muito mais comum do que se imagina encontrar pessoas que gostam, por exemplo, de Pavarotti e Reginaldo Rossi, de Tim Maia e Ivete Sangalo. Existem casos de maior incompatibilidade, é claro, geralmente envolvendo questões exteriores ao plano estético, como de classe (gostar de João Gilberto e Waldik Soriano), ou de geração, (Francisco Alves e Marisa Monte), mas mesmo esses casos não são incomuns - apesar dos ouvintes das camadas cults (jazz, MPB, clássico e Cia), serem mais intransigentes do que a média, com o argumento pouco convincente de que são mais criteriosos e refinados. Outro dia mesmo fui jantar na casa de uns amigos cearenses que ouviam com o mesmo grau de interesse e prazer Fernando Mendes e Baden Powell. A princípio, as pessoas gostam de muitas coisas de diferentes modos, variadas formas de amor que depois vão se fixando (ou não) em uma só, como em qualquer relacionamento, o que sempre comporta certa dose de artificialidade, má fé, sinceridade e ingenuidade. Mas o certo é que muitas vezes as pessoas são mais ecléticas (ou esquizofrênicas, caso se parta de uma perspectiva que estabeleça o valor à priori) do que elas próprias imaginam. Creio que essa foi, pois, a primeira lição que aprendi – não existe uma única escala de valor para se julgar objetos estéticos diferentes.
Mas até esse ponto meu gosto musical estava ainda em formação, não sendo diretamente fruto da minha escolha. Eu precisava ainda matar meus pais (no caso, minha avó e minha mãe, o que ajuda a explicar tanto meu amor pelas mulheres quanto meu lado mais afeminado) para me formar enquanto sujeito. Foi então que eu me tornei punk – ainda bem que na época não existiam os emos. Só que um punk de interior, que se limitava a ouvir as músicas e a usar roupa rasgada junto com mais dois ou três adolescentes. E punk de uma banda só. Foi nessa época em que o cd se popularizou, e todos os meus eram do Ramones. Foi um momento importante de definição de identidade, o momento “Morte ao mainstream e as rádios, ao breganejo e ao pagode”! A essa fase imediatamente se seguiu outra, sem grandes conflitos, quando eu comecei a tocar justamente em um grupo de... pagode. O grandioso Sob Medida. Sai de cena a camiseta preta rasgada e entra a camisa pólo bem passada. E agora minha escuta se concentrava basicamente em Soweto, Exaltasamba, Art Popular, além de continuar ouvindo os pagodeiros mais antigos como Zeca Pagodinho e alguns artistas da MPB, como Gilberto Gil e Djavan. A grande descoberta na época foi, além é claro do prazer de se tocar em conjunto, a da complexidade daquelas músicas, em especial no que diz respeito aos arranjos. Os argumentos daqueles que diziam não gostar de pagode porque eram musicalmente pobres a partir dali não colavam mais, e tampouco aqueles que reclamavam da pobreza das letras (quem curte uma banda que tem uma música chamada “Fear of the dark” não pode falar muita coisa). Mas mesmo nessa época eu achava os pagodeiros anteriores (Fundo, Jorge, Zeca, Paulinho da Viola) mais interessantes, e curtia mais partido alto do que aquele som mais meloso de pagode sem percussão. E nesse período eu ainda desconhecia Cartola e Nelson Cavaquinho, por exemplo.
Mesmo nesse momento de fixação de identidade, portanto, eu acabei não me prendendo a uma coisa só, ouvindo com a mesma naturalidade e para finalidades diferentes tanto Legião Urbana quanto Soweto, descobrindo inconscientemente suas afinidades. O passo seguinte do processo se deu quando sai da minha cidade para ingressar em um curso de ciências humanas da USP. Um momento central de rompimento com o ambiente familiar, de ampliação de horizontes e ao mesmo tempo de recrudescimento. O que leva para a segunda questão proposta, que seja, para quem o ecletismo constitui um problema. Logicamente, para aqueles que pretendem definir quais os critérios de valoração estética a partir de uma perspectiva mais rígida. E a USP é justamente o espaço onde se encontram aqueles que se julgam os mais gabaritados para definir o que tem ou não valor. O antro do bom gosto e a vanguarda do já estabelecido. E foi nesse espaço com o qual eu não havia tido contato anteriormente que eu pude ampliar meu repertório de uma maneira extraordinária, e ao mesmo tempo passar para o time de defensores da boa música contra o lixo que reina por ai.
Muitas foram as descobertas, que continuam até hoje, mas algumas foram de fato marcantes,
como o encontro com a música mais experimental. A grande transformação se deu quando eu ouvi Tom Zé (acho que o primeiro foi o Jogos de Armar), bem quando da época do relançamento de seus discos pela Trama. Até então eu não imaginava que aquilo podia ser feito com a música, uma coisa ao mesmo tempo radicalmente estranha e divertida. Nessa época tinha um ambulante na USP - a quem eu devo muito - e que era um dos caras que mais entende de música que eu conheço. Com ele comprei todos os discos do Tom Zé. Fiquei fissurado no Estudando o Samba, tentando decifrar todos os experimentos que ele fazia com o estilo. Descobri – a grande lição da arte moderna - que a música pode servir também para questionar o já estabelecido, ao invés de só estabelecer. E quase inevitavelmente caí no equívoco muito comum de achar que essa é a única, ou a mais importante função da música (ou da arte em geral). A partir desse encontro com o baiano fui atrás de outras coisas experimentais, radicalizando até chegar a vanguarda da música de concerto, como Stockhausen, Ligetti, Bério. Por algum tempo só ouvia isso, fazia parte dos Viciados em Xenaxis. Meu radicalismo na época chegou a tal extremo que eu não agüentava ouvir uma escala cromática Ocidental, tanto que passei a ir atrás de sons de outros Continentes, dos ragas indianos mais tradicionais ou das polifonias africanas mais desconcertantes. Descobri concepções de mundo a partir de sonoridades radicalmente diferentes da nossa. Sugiro a todo mundo que procure o Kecak de Bali, ou o canto sagrado dos monges tibetanos, a coisa mais sombria que eu já tive oportunidade de ouvir. Ainda hoje tenho uma coletânea de cantos de ciganos do sul do rajastão, que ilustra muito bem esse momento de rejeição absoluta de tudo o que fosse pop.

Seguindo pelo mesmo caminho, me deparei com o Jazz, e me apaixonei pelos álbuns do Miles Davis (um dos sujeitos mais heterogêneos e inovadores da história da música), pelo sax visceral de Coltrane, pelos álbuns ao mesmo tempo modernos e tradicionais de Mingus, por Herbie Hankcok. Formei assim meu segundo postulado da época, de que a música além de se afastar do pop, tem que ser brilhantemente executada por músicos extraordinários. Não que eu houvesse abandonado a escuta de canções mais tradicionais. Ao contrário, apreciava agora bastante a poesia de Chico Buarque e de Vinicius, a delicadeza complexa da Bossa Nova (especialmente do brilhante João Gilberto, em quem fiquei um tempo viciado) e seus derivados mais interessantes, como João Bosco. Admirava também os grupos do manguebeat, que representavam ao mesmo tempo uma grande originalidade e um apego ao mais tradicional, algo também muito valorizado pelas camadas cults – música tradicional é aquela que não se “vende” ao mercado, como jongo, maracatu, cacuriá e outras manifestações populares mais tradicionais. Nessa época comecei a conhecer e freqüentar os grupos de cultura popular, seja tocando, seja dançando. Em suma, ouvia e apreciava a música de bom gosto e refinada, complexa e essencialmente não mercadológica, como se isso de fato existisse. Nessa época aprendi a lição transmitida por Coltrane e Hermeto, de que é possível criar obras geniais que se afastam dos parâmetros mais imediatos da escuta comum, mas que ainda assim guardam uma estranha beleza. E também a de João Gilberto, de que a canção é um conjunto altamente complexo sob uma aparência de despojamento. Esse foi o momento em que eu adotei irrestritamente o ponto de vista da camada cult defensora do bom gosto, julgando todas as manifestações musicais a partir do paradigma muito especificamente localizado da música para ouvir. Todas as músicas valorizadas por essa vertente têm em comum (com exceção da música mais tradicional, anterior) o fato de ter como horizonte uma sala de concertos, com uma platéia totalmente absorta e consciente, o próprio sujeito Ocidental moderno encarnado. Criticava o pagode e a música brega como o pior dos lixos, música de massa, desinteressante, cuja única função relevante era a dominação, mais ou menos como o samba era visto em seus primórdios. Ou seja, emburrecia na medida em que ia ficando mais culto. De fato existe algo de verdadeiro nessas afirmações, porém o que atualmente me parece o mais importante é que a acusação de baixa qualidade musical tem como principal finalidade desobrigar o autor da crítica a se aproximar do objeto criticado. Mantêm-se dessa forma uma estrutura sustentada em um preconceito profundo disfarçado de senso estético. Porque dizer simplesmente se algo é bom ou ruim não traz nenhuma contribuição relevante para o conhecimento, traduzindo mero descaso, preguiça ou má vontade. O relevante é saber de que modo essa coisa é ruim.
O processo de formação da minha escuta musical (II de II)
Chegamos assim ao momento seguinte de minha formação, em que sofri um processo de retorno ao ecletismo inicial, agora sob outras bases. A origem do processo está em meu desencantamento com a cultura acadêmica e com a vida universitária. Um bode intenso daquele povo todo achando que consegue falar de tudo e entender o mundo, sendo que a maioria é incapaz de trocar uma idéia mais reta com o porteiro do prédio. Linguisticamente incapaz, eu quero dizer. De repente caiu na minha cabeça todo o processo de exclusão necessário para que aquele conhecimento se construísse. Tudo o que eu ia apreendendo com Roberto Schwarz, Foucault e Machado de Assis num instante ficou muito claro. E acho que muito da minha postura de “militância brega” se deve a vontade de tornar isso claro pra todo mundo. A cultura erudita e cult no Brasil serve como instrumento de exclusão, e isso não é apenas uma conseqüência da sua forma, mas sua principal finalidade. Seu gume mais afiado. A arte “séria” existe no apagamento dos excluídos, o que implica em duas conseqüências principais. Primeiro, que essas formas artísticas trarão em si uma fratura formal que não pode ser superada e exige identificação. Segundo, que nosso olhar é incapaz de racionalizar o julgamento das manifestações estéticas que fogem do padrão erudito, e que são justamente as mais relevantes no nosso caso. Sabemos que Luiz Gonzaga é um gênio, mas não sabemos muito bem porque. Só conseguimos avaliar por adjetivos: é lindo, autêntico, do povo. Ou então por análises musicológicas que vão mostrar que Tom Jobim é muito mais complexo – daí o prestígio que a Bossa e seus derivados possuem entre os cults. A racionalidade ocidental não está preparada para julgar as manifestações populares, e lida com isso classificando essas manifestações como arte menor. Ou então passa a aceitá-las como relevantes apenas quando representantes da alta cultura (universitários geralmente) começam a participar dela.
O resultado dessa nova tomada de consciência foi que eu tornei a olhar para aquilo que havia rejeitado, procurando reconhecer a perspectiva a partir da qual poderia julgar o valor desses objetos. Ousando colocar questões naquilo que é tido como o óbvio ululante.Por exemplo, será Cartola de fato melhor que Zeca Pagodinho? A resposta pode até ser afirmativa, mas a partir de então eu teria por objetivo compreender como essa supremacia se realiza de fato, e não simplesmente achar que ela está dada porque estou mais acostumado com determinado paradigma.
A lição da vez foi transmitida simultaneamente por Adorno e Caetano, de que a escuta musical é o lugar em que os preconceitos sociais mais afloram, exatamente por ser o lugar em que menos se apresentam enquanto preconceito. O gosto se converte em dominação. Uma das minhas grandes descobertas se deu quando, ao ler uma reportagem na extinta revista Showbizz sobre os maiores álbuns de rock do Brasil, me deparei com não apenas um, mas dois discos do Roberto Carlos. Até então o rei era para mim sinônimo de tudo o que há de mais brega, kitch e de mau gosto na música brasileira. Fui então ouvir os ditos álbuns Em ritmo de aventura (1967), e Roberto Carlos (1969). Qual não foi minha surpresa ao descobrir dois álbuns incríveis, com um repertório irrepreensível, romântico sem ser brega, rock sem ser bobo como fora a jovem guarda e, sobretudo, black em alto nível. E com um intérprete absolutamente extarordinário. Esses discos me fizeram questionar conceitos que até então eu tinha como estabelecidos, como brega e mau gosto. E aceitar cada vez mais a idéia de que fazer uma música pop e acessível não diz nada sobre sua qualidade. Esses álbuns juntamente com o disco de 1971 (que traz uma das canções românticas mais lindas e bem realizadas do país, Detalhes), me fizeram perceber que o pop é muito mais um instrumento de medida com uma escala que vai do mais acessível para o mais experimental, ao invés daquela idéia do senso comum que equivale o pop a falta de criatividade. Pois se nosso Robertão é brega (e não digo que não o seja, só questiono a negatividade do conceito), não é menos certo que Frank Sinatra também o seja. E a questão é saber se isso faz do “the voice” uma bela duma porcaria, ou se é justamente aquilo que faz dele o cara? Não tenho dúvidas que se o Sinatra fosse brasileiro, ele seria considerado como apenas mais uma porcaria que vende. Todo compositor (e todo crítico) brasileiro é um complexado. Sofrem todos do complexo de Pestana, aquela personagem machadiana que queria compor grandes peças sinfônicas mas que só conseguia fazer polcas magistrais. Não adianta, e o mais próximo que iremos chegar de Beethoven é mesmo João Gilberto, para o bem e para o mal.
Aprendi a mesma lição no meu encontro com os Beatles. Na verdade, o encontro com os álbuns maduros do grupo se deu no momento cult anterior. Até então os Beatles eram para mim os caras do ieieie e das baladinhas gostosas e mais que manjadas. Só depois é que tive contato com os álbuns mesmo, e com a obra revolucionária e altamente experimental pós Rubber Soul. A partir daí os caras viraram para mim sinônimo de psicodelia e piração. E de fato eles são os maiores revolucionários da cultura pop, mais isso porque (e essa descoberta se deu no momento seguinte) eles são simultaneamente os mais pop da cultura pop, e sua relevância está em mesclar os dois registros de forma extraordinária. Eles são o que são porque criaram algumas das melodias mais lindas da história música comercial, perfeitas para se tocar em um acampamento de adolescentes, praticamente definindo o que se entende por pop. Músicas simples, ligeiras, cujo conteúdo se constrói a partir da inter-relação entre letra e melodia. Os quatro rapazes ensinaram também que a criatividade é mais importante do que a técnica. Eles não são geniais apesar de serem pop, mas justamente porque são pop é que são geniais. Um pop diferenciado e de altíssima qualidade, mas ainda assim, pop. A música mais comercial (e nada é mais rentável do que os Beatles) pode ser uma forma artística da maior relevância – daí a necessidade de se olhar com cuidado para todos os lados.
Duas lições ainda foram muito importantes nesse período. A primeira, o encontro com James
Brown, revelando para mim todo um novo universo musical. A música para dançar mais radical (construída a partir de um único acorde que assim transfere seu valor harmônico para o rítmico) exige um processo criativo tão complexo quanto às elaborações harmônicas mais complexas do jazz. Mister Sex Machine reduz a música a seu essencial, a seu caráter de rito pagão. E faz isso ao transformar todos os instrumentos – inclusive a voz e a língua – em tambores. Corpo e espírito se tornam um só, e a música ocidental dá uma guinada radical. Coltrane e James Brown estão em um mesmo patamar de genialidade, não sendo possível dizer que a música para dançar exige um grau de complexidade menor do que o da música para ouvir, e que se assim o julgamos é simplesmente porque o paradigma a partir do qual o mundo se organiza é branco e Ocidental, e este é absolutamente despreparado para entender as diversas outras manifestações mais coloridas da linguagem.

Ao mesmo tempo por aqui Jorge Ben me ensinava que o centro nervoso da canção não é a letra nem a harmonia, mas a melodia, o ponto de intersecção das várias culturas que nos constituíram, a partir da fala. Mas eu só entendi o que ele me dizia após receber lições de semiótica.
E por fim as lições de Caetano Veloso desde o início do tropicalismo, que fez sua profissão de fé exatamente mostrar essas coisas que aos poucos fui reconhecendo. Existe música boa (ou pode haver) em todos os lugares, e se não o reconhecemos não é por culpa das canções, mas porque nosso ouvido é a parte mais preconceituosa de nosso corpo. E como tal, uma das mais burras. Daí o processo de regressão da nossa audição, que precisa ser desconstruído se quisermos de fato nos reconhecer na mais rica manifestação artística que existe no país, sendo capaz finalmente de compreender tal riqueza. Precisamos sim compreender em que medida o créu é nacional, porque Claudinho e Buchecha são melhores compositores que a média dos artistas de funk melody, porque Leandro e Leonardo têm mais sucessos que as demais duplas sertanejas. A que tradições correspondem Waldick Soriano e Odair José, respectivamente, como eles a atualizam e qual dos dois é melhor. Ouvir de fato as músicas que gostamos e as que criticamos, em vez de ouvir somente o reflexo de nós mesmos e do capital social que investimos. Entender enfim, porque não gostamos de determinadas canções. Será que a música é de fato ruim, ou sou eu um cusão de classe média, ou um mané qualquer que só consegue encontrar valor naquilo que foi determinado para minha faixa de consumo?
**********

Não quero dizer com isso que meu gosto caiu num relativismo absoluto. Pelo contrário, talvez a lição mais profundamente introjetada por mim nesses anos de formação seja a do marxismo, que é normativo e rígido quase por natureza. Mas um marxismo dialético e, sobretudo, brasileiro, onde a vida social não encontra espaços de mediação para se realizar. No caso de nosso país, mais do que em outros lugares, reconhecer valor só em Miles Davis, Shoemberg, Chico Buarque, Tom Jobim e Frank Zappa não é só um problema estético mas, sobretudo, de classe. Dessa vez, a lição é da sociolingüística: tudo bem em se apreciar um português gramaticalmente correto, desde que reconheçamos o quanto há de elitista e preconceituoso nessa preferência. Para isso, é preciso historicizar a própria língua. O primeiro passo para a crítica é reconhecer o quanto de filha da puta há em seus próprios critérios, construindo assim um tipo de pensamento cuja base de fundamentação é criada pelo objeto. Dialética é o pensamento que comete violência contra si próprio. Adorno. É melhor cair em contradição do que do oitavo andar. Falcão.
De novo, não quero dizer com isso que não entre em questão o julgamento estético. No limite, é sempre o valor que está em questão, mas tendo agora a consciência de que o próprio valor é uma construção que precisa ser revista a cada nova avaliação. Só dessa forma eu posso afirmar que Roberto Carlos é muito mais interessante do que Amado Batista, que o brega romântico de Fabio Junior e Roupa Nova derivam de outra matriz, mais pop romântico internacional, que nada tem a ver com a matriz de onde parte Frank Aguiar,que nesse sentido faz musica de raiz. Longe de ser um pensamento passivo e conciliatório, permite inclusive caminhar mais livremente por tabus e polêmicas, como perceber que Maria Bethania é tão brega quanto Roberto Carlos, e que o lugar simbólico ocupado por ambos se deve a outros critérios que não estéticos. Afirmar que a Banda do Chico Buarque é bem fraca, que Sabiá mereceu as vaias apesar de toda sua pompa, que a Bossa Nova é de fato elitista, e que essa dimensão é essencial para sua força estética. Que o pagode do Art Popular é mais interessante do que a maioria do samba universitário que os artistas da nova velha MPB fazem hoje, assim como Ivete Sangalo é muito mais artista que Maria Rita. Que o Pink Floyd é o melhor grupo de progressivo não por ser o mais experimental mas, ao contrário, por fazer o melhor pop. Que Luis Gonzaga é tão importante para o surgimento da MPB quanto João Gilberto e Tom Jobim. Em outro campo, reconhecer que Godard é um gênio, mas que Spilberg também é. Cada um na sua. E por ai vai. O mais interessante dessa forma de pensar é não tentar encontrar valor apenas no já consolidado, transformando o mundo num reflexo da própria subjetividade. Encontrar, de fato, o outro. Levar a sério a premissa básica (e que no meio acadêmico, por exemplo é muito rara) de que o pobre também pensa, e que portanto estabelece critérios lógicos de avaliação que trazem contribuições relevantes, não sendo pura massa de manobra. Isso não significa ignorar o peso das determinações da Indústria Cultural, mas reconhecer que ela não é a mão invisível do Adam Smith, mas a totalidade particular do capitalismo. A contradição tornado forma, tal como descrita por Marx, uma estrutura rígida absolutamente maleável.
sábado, 16 de maio de 2009
Música de Preto além mar - parte 1

Alavancado pela festa Makula [festa um tanto itinerante que acontece mensalmente no Rio de Janeiro:http://www.myspace.com/festamakula ], andei pesquisando os gêneros musicais do velho continente Africano. Eu já tinha uma 'pequena' noção da gigantesca diversidade músical [fruto da homérica diversidade sociocultural e lingüística – só para ilustrar, muitos dos 53 países da África possuem (facilmente) mais do que 50 tribos, grupos étnicos e sociais totalmente distintos, e o continente conta com mais de 1000 línguas (sem contar seus respectivos dialetos!)]. Porém, Lucio e cia me apresentaram vários gêneros que me chamaram muito a atenção, coisas bem bacanas como o voodoo funk e outros sons que assimilam jazz, soulfunky e R&B, além dos ritmos já bem conhecido como o Highlife, o Juju, o Soukous, o Räi, o Kuduro e o Afrobeat. Tudo isso desconstruiu o idéia que eu sustentava de que era difícil encontrar ritmos africanos que se modernizaram sem ficar ou brega, ou comercial ou descaracterizado além do grande guru Fela Kuti (um dos pioneiros na mistura de jazz e música de preto – muito presente nas pickups da festa makula!)...

Deixando a enrolação de lado, pra quem prefere escapar fedendo deixo alguns discos e uma dica [para fazer o download, basta clicar no nome do album!]:
Africa Scream Contest: Coletânea de vários grupos africanos – Dêem uma atenção especail para a Orchestre Poly-Rythmo de Cotonou, é de deixar James Brown e JB's com inveja (video no youtube)!!!

Mulatu Astatke e a rapaziada do The Heliocentrics: Ethíope, nascido em 1943 considerado o pai do Ethio-jazz. Sua música é única, pontuada por cool jazz, salsa, funk e uma sonoridade que remete a toques árabes e indianos.


Dica: escute o programa que os DJs da festa Makula apresentam na rádio Gruta: http://www.radiogruta.com/ .
segunda-feira, 27 de abril de 2009
A História da Chapeuzinho Vermelho em diferentes mídias
Devo essa postagem ao coisinha de nóis e vida, blog da maravilhosa Cathola. Muito bom.

JORNAL NACIONAL(William Bonner): 'Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um Lobo na noite de ontem...'.(Fátima Bernardes):'... mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia'.
PROGRAMA DA HEBE(Hebe Camargo): '... que gracinha gente. Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?
'BRASIL URGENTE (muiiito boa)(Datena): '... onde é que a gente vai parar,cadê as Autoridades?Cadê as autoridades? ! A menina ia para a casa da vovozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva... Um lobo, um lobo safado. Põe na tela!! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo, não.'
REVISTA VEJA Lula sabia das intenções do lobo.
REVISTA CLÁUDIA Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no Caminho.
REVISTA NOVA Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama.
FOLHA DE S. PAULO-Legenda da foto: 'Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador'.Na matéria, box com um zoólogo explicando os hábitos dos lobos e um imenso infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelo lenhador.
O ESTADO DE S. PAULO- Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT.
O GLOBO- Petrobrás apóia ONG do lenhador ligado ao PT que matou um lobo pra salvar menor de idade carente.
ZERO HORA- Avó de Chapeuzinho nasceu no RS.
AGORA- Sangue e tragédia na casa da vovó.
JORNAL SUPER NOTÍCIAS-Lobo mastiga as tripas da chapeuzinho e lenhador destrói tripas do lobo para retirar a garota (foto ao lado da barriga do lobo com as tripas pra fora).
REVISTA CARAS (Ensaio fotográfico com Chapeuzinho na semana seguinte)Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala a CARAS: 'Até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa'
PLAYBOY (Ensaio fotográfico no mês seguinte)Veja o que só o lobo viu.
REVISTA ISTO É- Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente.
G MAGAZINE (Ensaio fotográfico com lenhador)Lenhador mostra o machado.
SUPER INTERESSANTE- Lobo mau!Mito ou verdade?
DISCOVERY CHANNELVamos determinar se é possível uma pessoa ser engolida viva e sobreviver.
Gostei tanto que me permiti escrever mais um... quem quiser entrar na brincadeira fique à vontade:
NELSON RODRIGUES: Usava vestidinho vermelho e foi devorada pelo lobo.
A historia de Chapeuzinho vermelho

JORNAL NACIONAL(William Bonner): 'Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um Lobo na noite de ontem...'.(Fátima Bernardes):'... mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia'.
PROGRAMA DA HEBE(Hebe Camargo): '... que gracinha gente. Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?
'BRASIL URGENTE (muiiito boa)(Datena): '... onde é que a gente vai parar,cadê as Autoridades?Cadê as autoridades? ! A menina ia para a casa da vovozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva... Um lobo, um lobo safado. Põe na tela!! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo, não.'
REVISTA VEJA Lula sabia das intenções do lobo.
REVISTA CLÁUDIA Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no Caminho.
REVISTA NOVA Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama.
FOLHA DE S. PAULO-Legenda da foto: 'Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador'.Na matéria, box com um zoólogo explicando os hábitos dos lobos e um imenso infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelo lenhador.
O ESTADO DE S. PAULO- Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT.
O GLOBO- Petrobrás apóia ONG do lenhador ligado ao PT que matou um lobo pra salvar menor de idade carente.
ZERO HORA- Avó de Chapeuzinho nasceu no RS.
AGORA- Sangue e tragédia na casa da vovó.
JORNAL SUPER NOTÍCIAS-Lobo mastiga as tripas da chapeuzinho e lenhador destrói tripas do lobo para retirar a garota (foto ao lado da barriga do lobo com as tripas pra fora).
REVISTA CARAS (Ensaio fotográfico com Chapeuzinho na semana seguinte)Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala a CARAS: 'Até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa'
PLAYBOY (Ensaio fotográfico no mês seguinte)Veja o que só o lobo viu.
REVISTA ISTO É- Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente.
G MAGAZINE (Ensaio fotográfico com lenhador)Lenhador mostra o machado.
SUPER INTERESSANTE- Lobo mau!Mito ou verdade?
DISCOVERY CHANNELVamos determinar se é possível uma pessoa ser engolida viva e sobreviver.
Gostei tanto que me permiti escrever mais um... quem quiser entrar na brincadeira fique à vontade:
NELSON RODRIGUES: Usava vestidinho vermelho e foi devorada pelo lobo.
sábado, 25 de abril de 2009
Wes Montgomery

Até os anos 40 a guitarra (ou, anteriormente, o banjo) desempenhava uma função meramente rítmica dentro das formações jazzísticas. Isso seria mudado pelo guitarrista Charlie Christian: com ele, a guitarra passa a construir linhas melódicas, e sofisticam-se os solos.

Wes Montgomery (John Leslie Wes Montgomery) nasceu em Indianapolis (Indiana) no dia 6 de Março de 1925 e faleceu no dia 15 de Junho de 1968. Filho do meio de três irmãos, todos músicos, mudou-se ainda criança para Ohio. Autodidata, Wes começou a tocar só aos 19 anos, e por influência de Charlie Christian, de quem ouvia os discos e memorizava os solos. Seis meses mais tarde, já tocava profissionalmente.Wes tocava guitarra de uma maneira pouco ortodoxa, já que usava o polegar em vez da palheta, bem como um modo único de tocar em oitavas ou em block chords,o que tornava a sua guitarra mais expressiva e melodiosa.
Muitos guitarristas do jazz atual nomeiam Wes como uma das suas principais influências, entre os quais: Pat Metheny e George Benson, por exemplo.

Levou algum tempo para que Wes entrasse para a cena jazzística, até que no final dos anos 40 excursiona com a banda de Lionel Hampton por dois anos, voltando depois a Indianápolis. Passa ali a maior parte dos anos 50, fazendo bicos durante o dia e tocando à noite em casas noturnas.
Tocou com diversas formações, trios, quartetos e orquestras. Quando sua gravadora, a Riverside, vai à falência, assina com o produtor da Verve Records, Creed Taylor, que vislumbra uma trajetória mais ampla para sua carreira, enveredando por caminhos que ultrapassavam as fronteiras do jazz. A gravação do clássico do R&B, “Goin Out of My Head” lhe valeu um Grammy que definitivamente o lançou a um maior público. Isso também lhe possibilitou sustentar seus sete filhos, até sua morte prematura e inesperada aos 43 anos, de ataque cardíaco.
Sua extrema liberdade e fluidez no instrumento chamaram, desde o início, a atenção de músicos como Cannonball Adderley, e em 1960 lhe valeriam o prêmio New Star da revista DownBeat.
Wes definiu aquela que viria a ser a sonoridade clássica da guitarra de jazz nos anos 60 e tornou famosa a formação Guitarra, Órgão Hammond e bateria (The Wes Montgomery Trio 1959).
Fontes:
Discos para escapar fedendo (clique no nome do disco e o Link para download aparecerá):
Origem dos links:
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Algumas Obras Literárias
Agradeço ao grande Breno pelas referências. Valeu mano. Pra quem não conhece, recomendo que leiam o moçambicano Mia Couto. É muito bom.
A chuva Pasmada
ANTÓNIO LOBO ANTUNES
Auto dos danados.doc
As naus.doc
http://www.esnips.com/web/e-booksAntnioLoboAntunes
GABRIEL GARCIA MARQUEZ
Gabriel Garcia Marques & Carme Solé Vendrell - María dos Prazeres.pdf
cem anos de solidão (rev).pdf
Memorias de minhas putas tristes (rev).pdf
A Aventura de Miguel Littin (rev).doc
A Incrível e Triste História da Cândida (rev).doc
Crónica de Uma Morte Anunciada (rev).doc
Do Amor e Outros Demônios.doc
Doze Contos Peregrinos (rev).pdf
ninguém escreve coronel.rtf
O Aviao da Bela Adormecida (rev).doc
O Outono do Patriarca (rev).doc
O Rasto do teu Sangue na Neve (rev).doc
O Verao Feliz da Senhora Forbes (rev).doc
Os Funerais da Mae Grande (rev).doc
Se, por um Instante.doc
Só Vim Telefonar (rev).doc
Textos do Caribe (rev).doc
Tramontana (rev).doc
Viver para Conta-la (rev).doc
http://www.esnips.com/web/e-booksGABRIELGARCIAMARQUES
Italo Calvino
Palomar.doc
As Cidades Invisíveis.doc
O Castelo dos Destinos Cruzados.doc
O Cavaleiro Inexistente.doc
O visconde partido ao meio.doc
O barão trepador.doc
http://www.esnips.com/web/e-booksItaloCalvino
MIA COUTO
A chuva Pasmada
A Varanda do Frangipani
Cada homem é uma Raça
Contos do Nascer da Terra (1-4)
Despedida
O Fio das Missangas
Vozes Anoitecidas
FERNANDO PESSOA
Alvaro de Campos - Poemas.doc
Prosa.pdf
Poemas (Antologia) ed_bilingue.pdf
O Marinheiro.pdf
Mensagem.doc
Cancioneiro.pdf
Bernardo Soares - Livro do Desassossego.doc
Alberto Caeiro - O Guardador de Rebanhos.doc
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Bernardo Soares - Livro do Desassossego.doc
Alberto Caeiro - O Guardador de Rebanhos.doc
http://www.esnips.com/web/e-booksFERNANDOPESSOA
JOSÉ SARAMAGO
O Evangelho Segundo Jesus Cristo (rev).pdf
O Homem Duplicado (rev).doc
Terra do Pecado (rev).pdf
Todos os Nomes (rev).doc
conto da ilha desconhecida.doc
Ensaio Sobre a Cegueira.pdf
Ensaio Sobre a Lucidez.doc
História do Cerco de Lisboa (rev).doc
Levantado do Chão (rev).doc
Memorial do Convento (rev).doc
O Ano da Morte de Ricardo Reis (rev).doc
A Caverna.doc
A Jangada de Pedra (rev).doc
As Intermitências da Morte.pdf
Folhas políticas (rev).pdf
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quarta-feira, 25 de março de 2009
A Mpbtização do samba

O samba voltou à moda. É claro, de fato ele nunca deixou de ser tocado, mas estava meio afastado daquela parcela da classe média que define qual o tipo de música de prestígio. Desde aquela redescoberta do samba do morro nos anos 60, ela havia substituído o samba pela MPB, deixando-o para o consumo das camadas populares. Porém mais do que isso, o samba a que se volta é uma certa concepção do que seria o este antes dos tempos do pagode, antes de Exaltasamba, Soweto, Zeca, Fundo, Martinho e Beth Carvalho. O estilo de samba dos anos 60 para baixo, que seria mais puro ou autêntico, de raiz. Não que se toque exclusivamente música de compositores já mortos (embora haja baladas dessas, em que a música mais recente é contemporânea de Ary Barroso). Mas o tipo novo de composição e, principalmente, sua forma de execução procura recuperar aquele tipo de sonoridade tida por mais autêntica - e que obviamente nunca foi isso de fato.
Curiosamente, essa autenticidade é assegurada por dois movimentos complementares. O primeiro, mais comum, é o distanciamento temporal. Quanto menos presente de forma concreta do mundo real mais tradicional é aquela forma. Daí chega-se a absurdo, como por exemplo considerar um Diogo Nogueira mais tradicional ou autêntico que Fundo de Quintal. O segundo é um progressivo distanciamento do batuque, o que se aproxima muito mais de uma concepção que vem da MPB do que propriamente do samba. O que se busca de fato nessa concepção é a elaboração de um samba de raiz e refinado, dois termos questionáveis e muitas vezes contraditórios, pois o refinamento vem com o tempo, em especial nessas manifestações de caráter mais popular. E lembrando que, se fossemos voltar às raízes do samba, iríamos nos deparar com o maxixe (pegue a gravação original de “Pelo Telefone”, por exemplo, ou algumas composições de Noel, oscilantes) e com os batuques de cunho religioso. Age-se como se a gravação de Cartola nos anos 60 com acompanhamento de choro fosse a maneira mais tradicional de performance do samba, e não a novidade que de fato representou na época (graças em grande parte, diga-se de passagem, as gravações de Bossa Nova). A Bossa redefiniu o tipo de olhar que define o que seja mais autêntico (na verdade, sejamos justos, João Gilberto e cia redefiniram o antigo samba, criando uma outra coisa, mas nunca disseram que aquilo que estavam fazendo era o verdadeiro samba. Ao contrário, faziam questão de frisar o seu avanço e diferença. O problema se coloca depois, quando a noção de bom gosto da classe média é transferida para o conjunto de manifestações culturais do país) como se fosse mais tradicional aquilo que mais se afasta do caráter de ritual que o samba tinha em seu início, ou seja, como se fosse mais autêntico justamente aquilo que se afasta do... autêntico.
Entretanto, paga-se certo preço ao livrar o samba da batucada. O batuque na música feita no Brasil, especialmente no samba, não é um elemento acessório como na música clássica – até certa época. Ele é constitutivo da própria forma. Ao se retirar o acompanhamento rítmico de determinados tipos de canção, sem se realizar todo um esforço harmônico e melódico para recriar aquele sentido em outro lugar, a música acaba sendo mutilada. Um samba-enredo regravado no esquema voz e violão não fica só estranho. Ele é completamente descaracterizado, deixando de “funcionar” esteticamente. Pode-se fazer, desde que seja com intenções de criar algo original, ou que este enredo seja o “Vai passar”. Em muitos sambas, é menos prejudicial em termos estéticos retirar o acompanhamento harmônico do que a percussão. O samba é feito para se ouvir sim, mas com o corpo. Ele pega pelo estômago, e não propriamente pela audição atenta de uma sala de concerto – como exige a Bossa Nova. Tirar o batuque do samba é tão grave quanto tirar o contrabaixo de um quarteto de cordas. O mesmo defeito ocorre se um grupo de funk e groove faz uma apresentação para uma platéia que não se move. A música não funcionou, a menos que seja algum tipo de variação jazzística. Ao procurar transpor a concepção ocidental de música para ouvir na execução de um samba que obedece a outros critérios (novamente, sem a transposição formal correspondente), perde-se justamente aquilo a que se procura exaltar. Como certos grupos de rock progressivo que pretendem fazer música erudita a partir do rock, mas inevitavelmente acabam soando como uma caricatura de uma música clássica já ruim, por desconsiderar a concretude da forma com que operam. Quando o fazem a partir do pop, como Pink Floyd, o resultado é muito mais interesssante, menos esquemático e mais criativo.
Na verdade, o problema assume dimensões ainda maiores, pois a tradição Ocidental (da qual a gente participa, e que sistematizou as normas musicais usadas por todos) não faz a menor idéia de como lidar com a percussão. No geral se pensa que a percussão (a cozinha, termo significativo por conter uma dimensão dupla, a de cômodo mais essencial da casa e ao mesmo tempo o mais desprezado) acompanha do jeito que dá as transformações harmônicas – concepção eurocêntrica – sem se fazer a menor idéia de como explicar as transformações que a harmonia e a melodia sofrem por conta do batuque. De fato, muitos sequer consideram a hipótese, sendo que nas tradições mais antigas é a partir do ritmo ditado pela percussão que os gêneros tomam forma. Mesmo a história da música brasileira é a narrativa dos impasses e percalços da harmonia e da melodia para se ajustar ao batuque. Foi isso que ocupou todos os nossos arranjadores e maestros ao longo do século XX. Mas ninguém consegue de fato pensar em como a batida original de João da Baiana para o pandeiro influiu no contorno melódico do samba, ou em como as transformações da linguagem do samba para o pagode da turma do Cacique de Ramos foi condicionada por suas inovações no campo dos instrumentos. É claro que sempre se pode explicar tudo em termos harmônicos, mas o quanto dessa nova harmonização não passa pelo ritmo, pela diferença de acento que existe entre o suro, a timba e o tantan, ou pelo novo molho introduzido pelo repique de mão? A voz tem que ser colocada de outra forma, responder em outra intensidade e interagir com a nova dinâmica proposta pela cozinha, etc. Em suma, criar uma nova forma de dizer, condicionada em grande medida pela percussão. Em certo sentido, toda a riqueza e complexidade de nossa música só conseguiu ser descoberta quando a Bossa transformou a linguagem rítmica em harmônica. Ai não só o Brasil, mas o mundo compreendeu que fazíamos arte. Por isso se colocam sempre os nomes da MPB como os maiores compositores do país. Não porque de fato o sejam, mas por uma incapacidade cognitiva de compreender (e explicar) a genialidade de Cartola, por exemplo.
Aliás, esse esquema de livrar o samba da batucada aproxima-se muito do esquema de padronização e massificação daquele novo estilo de musica brega, tornada possível pela difusão e barateamento do teclado eletrônico (aquele tipo de som feito pelo Frank Aguiar). Com a diferença que no caso do Frank o problema é menor porque a padronização que ele cria está visando à música para dançar. Tanto faz se é Beethoven, Jobim ou Calcinha Preta: o que importa é se dá pra dançar e gritar junto. Já a MPB visa à escuta mais atenta, e ao padronizar o samba mais ritual, faz com que o mesmo decaia em qualidade, e deixe de prestar enquanto música para se ouvir.
Outro movimento do qual acaba se aproximando, embora a princípio por razões opostas, é o tão temido e abominado pagode romântico paulista, que tem no afastamento do batuque uma de suas principais característica, e novamente com vantagens para o pagode, porque o tipo de sonoridade por ele buscada parte dessa separação, enquanto que a higienização do samba é realizada em lugares que a princípio não lhe cabem – novamente, a não ser que a estrutura musical sofra uma alteração correspondente, o que não é o caso. Os pagodeiros faziam música para ser Fabio Junior (os mais ousados, Djavan), já os sambistas da MPB querem sempre soar como Chico Buarque. Até funciona, quando se toca Chico, Baden Powel, Paulinho da Viola, João Bosco, que fazem samba também, mas de um outro tipo, fazendo aquela transposição estrutural que comentamos. Quando a história muda pra Zeca Pagodinho, Ismael Silva, Silas de Oliveira, Geraldo Filme, Candeia, Clementina, Ivone Lara, Martinho da Vila (talvez “disritmia” funcione), aí a sonoridade resultante só consegue marcar a distância com o que aquela música é de fato. Torna-se uma espécie de samba da falta (de vergonha?).
O samba mpbzado das Vilas Madalenas do Brasil padecem do mesmo defeito amadorístico daquelas gravações iniciais do samba, em que era preciso ter voz de tenor e orquestrações empoladas que limpavam o gênero. Foram necessários 50 anos para se perceber que a estrutura daqueles sambas se sustentam no e pelo batuque, tanto quanto (e por vezes ainda mais) na harmonia e na linha melódica. E só a partir dessa descoberta é que puderam de fato criar uma estrutura própria que o prescinde. Tocar “Aquarela Brasileira” de Silas de Oliveira sem a percussão sustentando seu peso não é uma opção estética entre outras, padecendo da mesma pasteurização promovida pelo cãozinho dos teclados. E sem os méritos que porventura aquele possa ter.
A discografia da polêmica
O pessoal que acompanha o blog que me desculpe, mas é que ta difícil de atualizar porque eu acabei de mudar, e nessa nova morada ainda não tem internet. Além disso, o computador bichou feio. Mas aos poucos eu vou colocando uma coisinha aqui, outra ali (pra ver se a Bia para de me encher), nem que seja só uns discos que eu gosto.
Conversa mole a parte, eu não poderia deixar de colocar os links de alguns discos para ilustrar o tema do post anterior. Pra ser o mais imparcial possível, escolhi o primeiro e o último de cada um, além de um outro que eu acho que é o melhor (ou um dos melhores) disco deles.
Conversa mole a parte, eu não poderia deixar de colocar os links de alguns discos para ilustrar o tema do post anterior. Pra ser o mais imparcial possível, escolhi o primeiro e o último de cada um, além de um outro que eu acho que é o melhor (ou um dos melhores) disco deles.
CAETANO VELOSO - 1968
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O primeiro disco do Caetano é bem mais interessante, criativo e ousado, porém não tão bem acabado quanto o primeiro do Buarque. É um album ainda ingênuo, mas isso não chega a ser defeito. Ao contrário, transmite uma leveza que faz muito bem pro conjunto. Tirando "A banda" que, na moral, já deu é um disco gostosíssimo. Tem "Ole, Olá", que é linda, "A Rita", delicinha, "Amanhã ninguem sabe", fantástica, "Tem mais samba", descoberta pela Elis, e "Juca", que eu adoro. O compositor já nascia pronto. Já Caetano mostra claramente que está experimentando coisas, e umas funcionam mais do que outras. Tem-se a concepção, mas não se sabe ao certo como ligar as coisas. Faltava ainda o acompanhamento dos mutantes com os arranjos do Duprat. Mas tem "Tropicália", que é um marco da música brasileira de toda sua história. Tem "Alegria Alegria", uma resposta a "Banda" do Chico, e que é muito superior. Tem poemas de Capinam e Gullar. Enfim, ao invés de consolidação, um passo a frente. Mas em termos de estréia, os discos de Jorge Ben e de Gilberto Gil acertaram mais.

CARIOCA - 2006

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CE - 2006
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CE - 2006

Esse pra mim não tem dúvidas. Chico apresenta um disco correto, bonito, previsível e repetitivo. Um isco de velho babão. Mais do mesmo. Enquanto Caetano se arrisca pela música indie, ataca temas atuais, muda a fórmula de seus trabalhos anteriores e volta a fazer canções mais cruas. E se sai muito bem. Não é a melhor forma, mas é muito melhor que 90% do que há por aí.

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TRANSA - 1972
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ÓPERA DO MALANDRO - 1979

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TRANSA - 1972

Nesse caso eu não me arrisco. Os dois discos, cada um a seu modo, são brilhantes. Os dois compositores em um momento criativo privilegiado. Cada canção na "ópera do malandro" é perfeita, algumas são clássicos absolutos. E nesse caso nem dá pra dizer que ele não arrisca. Chico faz rock, faz uma adaptação brilhante de Brecht, abrasileira uma ópera, faz valsa, escreve duas das mais belas canções romanticas da MPB ("Folhetin" e a genial "O meu amor"), cria sambas deliciosos e improvisa até um tango. Além disso, o disco tem uma unidade conceitual (é uma peça) que lhe faz muito bem estruturalmente - o que nem sempre acontece com os discos do Chico, pouco importando se se trata de um album próprio ou de uma coletânea. E os vários intérpretes convidados não deixa que ele se torne cansativo. Pra mim, é um dos grande albuns da MPB. Agora quanto ao "Transa" é um dos meus discos prediletos. Aquele que formalmente conseguiu mostrar que a música brasileira é a música do mundo, o que realizou a fusão mais perfeita de pop internacional e regionalismo, que marcou de vez o limite entre o experimental e o pop. As canções são ótimas, o acompanhamento é fabuloso (em especial a guiarra de Jards Macalé), as misturas são geniais. É um verdadeiro acontecimento na música mundial, sem precedentes e sem continuadores. É uma jóia. Talvez o "Transa" leve vantagem por questões históricas. O disco, juntamente com "Expresso 2222" do Gil marca o ponto máximo de inflexão da Tropicália. Ambos são suas maiores realizações, e a partir dali o projeto deixaria de existir.
Mas o bom da MPB é que não precisamos eleger ganhadores. Tem lugar pra todo mundo
Mas o bom da MPB é que não precisamos eleger ganhadores. Tem lugar pra todo mundo
domingo, 22 de março de 2009
A polêmica Chico x Caetano: malandragem sem morro e a vanguarda do brega (I)
Para Tati, donde veio a inspiração
Nunca escondi de ninguém que sou um caetanete. E como bom tiete de Caetano, adoro tomar seu partido em suas polêmicas, encontrar alguma razão mais profunda, mesmo que absurda, para seus gestos. E não é muito difícil, porque o cara é o maior intelectual vivo do país, e mesmo que você não concorde com aquilo que ele diz, quase sempre há uma razão mais profunda pra ele ter dito isso ou aquilo. O que se nem sempre torna as coisas melhores, ao menos revelam alguma coerência.
O babado mais quente no quesito Caetano é sem dúvida a eterna polêmica com Chico. Na verdade, não entre os dois, que estão cagando pra essas brigas, mas entre os adoradores de um e de outro. Mas mesmo os chicólatras tem de admitir que é muito mais complexo você ser um caetanete, seja por ser ele muito menos unânime, mais arrogante, ou mais polêmico. Posso dizer inclusive que começa daí minha admiração: o esforço mental exigido para se posicionar pró Caetano é, pela própria natureza do objeto, muito maior. Enquanto o Chico veio pra estabelecer, pra ser a própria definição do que é bom, Caetano veio pra incomodar, pra questionar o que é belo. Na verdade, a razão mais profunda para esse debate ser tão animado é que no fundo ele é bem menos radical do que parece a princípio. De fato, a questão realmente radical nem se coloca (a não ser por loucos meio idiotas ou excêntricos, como Caetano), pois o conflito verdadeiro está na oposição Chico Buarque x Roberto Carlos, ambos compositores de primeira linha, mas aquele que chega a sugerir uma aproximação do gênero é imediatamente desqualificado como mentalmente desequilibrado. O que não quer dizer que Chico x Caetano não seja uma polêmica reveladora, pelo contrário. Apenas oculta uma questão muito mais complexa e perigosa, que implica em colocar Robertão e Chico num mesmo patamar.
Primeiro algumas questões de ordem mais formal, que são as que contam de fato no momento
da audição. Comecemos com aquele que é tido como o ponto mais forte do carioca, suas letras. Nesse quesito o cara de fato é bom, mas temos de lembrar que quem realmente inovou foi Cae, ao ser o primeiro cara a abolir das letras seu cunho narrativo. Ele elimina das letras o tom narrativo que sempre caracterizou a canção nacional, primeiro com a concepção tropicalista de construção via fragmento, e depois ao construir letras que são explanações teóricas, muito mais do que as desventuras de um sujeito lírico ou a exposição de dada situação. A voz narrativa da canção se moderniza com Caetano, apesar de que Chico sem duvida a eleva a um patamar de excelência grandioso.
Quanto a forma propriamente dita, uma anedota de Tom Zé é reveladora. Quando perguntado sobre o que pensava de Chico Buarque, lá pelos anos 70, o baiano de Irará respondeu: “a gente tem que respeitar muito o Chico Buarque, afinal, ele é o nosso avô”. Para além do chiste e da ironia, a afirmação carrega também um caráter de revelação. Desde o início o projeto de Chico se apoiava, ainda que o transformando, no projeto estético da Bossa Nova, de re-apropriação do passado. Com a diferença de que a Bossa se propunha a reler sobre nova chave os autores que ela própria elegia como os representantes da genuína música nacional, enquanto que Chico – na onda da música de protesto – procurava resgatar as formas antigas, só que lidas agora na chave do bom gosto – seja em termos das letras, do estilo de interpretação e dos arranjos. No início, alguns tipos de samba (canção, exaltação, chorinho, gafieira) e depois ampliando o escopo – modinha, frevo, valsa, fado. É certo que por influência da Tropicália Chico passou também a enveredar por outros gêneros e estilos – principalmente após seu 5° disco, Construção - mas até os dias atuais cria canções basicamente em formas pré Bossa Nova. O próprio compositor admitiu em uma de suas raras entrevistas que é um compositor à moda antiga, que se dedica a um tipo de canção em vias de desaparecimento. Na verdade, é todo um modo de compor – do qual Chico é o maior representante – que se acostumou a identificar com a MPB, que está em vias de desaparecimento.
Já o projeto de Caetano sempre foi o de fazer música de hoje. Em comum entre ambos a busca por se criar música de qualidade – critério que é preciso definir, pois se trata menos de juízo de valor estético do que certo procedimento formal. Porém o lugar onde os dois procuram estabelecer esse critério de gosto marca uma ruptura radical de postura. Cae já compôs metal, musica indie, blues, reggae, axé (dizem as más línguas inclusive que foi ele quem o inventou), música concreta, samba de roda, hip hop, música brega, e já se apropriou de outros tantos gêneros, como o funk carioca. Isso sem falar de sua especialidade, que é o de misturar os registros. Sua postura estética é muito mais ousada, o que o torna a meu ver um compositor bem mais interessante, mesmo quando Chico – cultor do belo - consegue criar canções de acabamento formal perfeito. Do ruído também se faz arte.

O babado mais quente no quesito Caetano é sem dúvida a eterna polêmica com Chico. Na verdade, não entre os dois, que estão cagando pra essas brigas, mas entre os adoradores de um e de outro. Mas mesmo os chicólatras tem de admitir que é muito mais complexo você ser um caetanete, seja por ser ele muito menos unânime, mais arrogante, ou mais polêmico. Posso dizer inclusive que começa daí minha admiração: o esforço mental exigido para se posicionar pró Caetano é, pela própria natureza do objeto, muito maior. Enquanto o Chico veio pra estabelecer, pra ser a própria definição do que é bom, Caetano veio pra incomodar, pra questionar o que é belo. Na verdade, a razão mais profunda para esse debate ser tão animado é que no fundo ele é bem menos radical do que parece a princípio. De fato, a questão realmente radical nem se coloca (a não ser por loucos meio idiotas ou excêntricos, como Caetano), pois o conflito verdadeiro está na oposição Chico Buarque x Roberto Carlos, ambos compositores de primeira linha, mas aquele que chega a sugerir uma aproximação do gênero é imediatamente desqualificado como mentalmente desequilibrado. O que não quer dizer que Chico x Caetano não seja uma polêmica reveladora, pelo contrário. Apenas oculta uma questão muito mais complexa e perigosa, que implica em colocar Robertão e Chico num mesmo patamar.
Primeiro algumas questões de ordem mais formal, que são as que contam de fato no momento

Quanto a forma propriamente dita, uma anedota de Tom Zé é reveladora. Quando perguntado sobre o que pensava de Chico Buarque, lá pelos anos 70, o baiano de Irará respondeu: “a gente tem que respeitar muito o Chico Buarque, afinal, ele é o nosso avô”. Para além do chiste e da ironia, a afirmação carrega também um caráter de revelação. Desde o início o projeto de Chico se apoiava, ainda que o transformando, no projeto estético da Bossa Nova, de re-apropriação do passado. Com a diferença de que a Bossa se propunha a reler sobre nova chave os autores que ela própria elegia como os representantes da genuína música nacional, enquanto que Chico – na onda da música de protesto – procurava resgatar as formas antigas, só que lidas agora na chave do bom gosto – seja em termos das letras, do estilo de interpretação e dos arranjos. No início, alguns tipos de samba (canção, exaltação, chorinho, gafieira) e depois ampliando o escopo – modinha, frevo, valsa, fado. É certo que por influência da Tropicália Chico passou também a enveredar por outros gêneros e estilos – principalmente após seu 5° disco, Construção - mas até os dias atuais cria canções basicamente em formas pré Bossa Nova. O próprio compositor admitiu em uma de suas raras entrevistas que é um compositor à moda antiga, que se dedica a um tipo de canção em vias de desaparecimento. Na verdade, é todo um modo de compor – do qual Chico é o maior representante – que se acostumou a identificar com a MPB, que está em vias de desaparecimento.
Já o projeto de Caetano sempre foi o de fazer música de hoje. Em comum entre ambos a busca por se criar música de qualidade – critério que é preciso definir, pois se trata menos de juízo de valor estético do que certo procedimento formal. Porém o lugar onde os dois procuram estabelecer esse critério de gosto marca uma ruptura radical de postura. Cae já compôs metal, musica indie, blues, reggae, axé (dizem as más línguas inclusive que foi ele quem o inventou), música concreta, samba de roda, hip hop, música brega, e já se apropriou de outros tantos gêneros, como o funk carioca. Isso sem falar de sua especialidade, que é o de misturar os registros. Sua postura estética é muito mais ousada, o que o torna a meu ver um compositor bem mais interessante, mesmo quando Chico – cultor do belo - consegue criar canções de acabamento formal perfeito. Do ruído também se faz arte.
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